Promotoria investiga cartel na laranja

27/04/2009

Denúncia de produtores sobre suposto cartel envolve cinco indústrias de suco

Empresas não comentam acusação de combinar preço pago ao citricultor; mercado de exportação de suco somou cerca de US$ 2 bi em 2008


FÁTIMA FERNANDES

Denúncias de produtores levaram o Gedec (Grupo Especial de Delitos Econômicos), do Ministério Público do Estado de São Paulo, a iniciar investigação por suspeita de prática de cartel por fabricantes de suco de laranja. Desde 2006, a SDE (Secretaria de Direito Econômico) investiga essa suposta prática no setor.
Citricultores paulistas afirmam em representação feita no mês passado ao Ministério Público que as indústrias Louis Dreyfus, Cutrale, Citrosuco, Citrovita e Bascitrus combinam preços para a compra de laranja e fazem divisão de produtores -quem vende a fruta para uma indústria não consegue vender para outra.
Procuradas pela reportagem, as indústrias informaram, por meio de suas assessorias de imprensa, que não tinham sido informadas sobre essa nova investigação e que não dariam entrevistas sobre o assunto. A exportação brasileira de suco concentrado em 2008 foi da ordem de US$ 2 bilhões.
Por meio da Associtrus (Associação Brasileira de Citricultores), produtores de laranja afirmam ao Ministério Público que ainda persiste a suposta prática de cartel entre os fabricantes de suco, que começou a ser investigada em 2006 pela SDE -época em que foram cumpridos mandados de busca e apreensão de documentos em indústrias do setor, como parte da Operação Fanta.
"Os produtores de laranja ainda não conseguem comercializar a produção a preços remuneradores, pois é a indústria que define os preços pagos aos citricultores, e não adianta mudar de empresa para vender a fruta. Os fabricantes de suco também combinam a data de moagem da laranja para uniformizar os preços pagos aos produtores. Com essa prática das empresas, 20 mil produtores foram expulsos do setor, que hoje reúne entre 8.000 e 10 mil produtores", afirma Flávio de Carvalho Pinto Viegas, presidente da Associtrus.
O Estado de São Paulo produz cerca de 300 milhões de caixas de laranja anuais e o país, 400 milhões. Para descaracterizar prática de cartel, segundo Viegas, os fabricantes de suco trabalham com faixas de preços. "Em 2008, eles pagavam entre R$ 15 e R$ 16 pela caixa de laranja [com 40,8 quilos] aos produtores que eles queriam que ficassem no setor; R$ 12 àqueles que deveriam permanecer por algum tempo; e entre R$ 7 e R$ 8 àqueles que deveriam sair do mercado."
A SDE não teve condições de prosseguir a investigação iniciada em 2006 porque foi impedida por decisões da Justiça de analisar os documentos apreendidos. Há 20 dias houve autorização da Justiça para abertura de lacre de parte dos dados que estão com a SDE. Como o caso está sob segredo de Justiça, a SDE afirma que não pode dar declarações sobre o andamento da investigação.
"A documentação disponível, especialmente o depoimento de um ex-diretor de uma das empresas investigadas, feito na condição de leniente, demonstra, de forma insofismável, que as práticas delituosas se estendem até hoje. Os produtores não conseguem vender a produção a preços remuneradores e mudar de empresa para vender a fruta", cita representação feita ao Ministério Público.
Para Gilberto Leme Marcos Garcia, promotor de Justiça do Gedec, "há indícios de prática de cartel entre esses fabricantes de suco de laranja com base no que foi apresentado pelos produtores. Queremos agora saber qual o posicionamento da SDE e do Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica]. Passados três anos, não houve análise do material recolhido em razão de medidas judiciais tomadas pelas indústrias, o que demonstra, claramente, que as empresas têm muito a esconder", diz Garcia.
Além de iniciar a investigação, o Gedec encaminhou ao juiz da 9ª Vara Criminal da Capital pedido para não extinguir o processo criminal contra os envolvidos, que havia sido suspenso por prazo de dois anos em 2006, mediante pagamento de pesadas multas e outras condições estabelecidas pela Justiça em processo por crime de formação de cartel. "Apresentamos manifestação para requerer que a punibilidade dos réus não fosse julgada extinta enquanto não ficasse efetivamente demonstrado o fim da prática de cartel", diz Garcia.

Fonte: Folha de S.Paulo