Uma nova cadeia citrícola em formação

27/08/2010
Fernando Lopes, de São Paulo
26/082010

Márcia Ribeiro/Folhapress


Produção de laranja em Ribeirão Bonito, no centro do Estado de São Paulo: problemas com greening são comuns na região

O mercado internacional de suco de laranja mudou, e os reflexos de um longo período de demanda mais retraída impulsionam a cadeia produtiva de São Paulo, a mais importante do Brasil e do mundo, em uma direção diferente daquela que acentuou as divergências entre citricultores e indústrias nas últimas décadas. De um ano para cá os preços subiram graças a sérios problemas na oferta, mas o processo de ajuste a um cenário de consumo menor e mais exigente perdura.

Em meio às turbulências provocadas por disputas de preços da matéria-prima - amplificadas por investigações sobre um suposto cartel entre as principais empresas exportadoras da commodity - e estoques de suco em importantes consumidores como os Estados Unidos e a Europa nas alturas, a caixa de 40,8 quilos da laranja destinada às indústrias caiu a um de seus níveis mais baixos em meados do ano passado.

No mercado spot paulista, a caixa desceu para quase R$ 3, ante um custo de produção e transporte que, para grande parte dos citricultores, era superior a R$ 10. As indústrias resistiam em fechar contratos de um ou dois anos para receber a fruta, centenas de produtores deixaram a atividade e Citrosuco e Citrovita, segunda e terceira maiores companhias do segmento, iniciaram as conversações para unir operações, ganhar escala e superar a Cutrale na liderança das exportações mundiais de suco.



Hoje a caixa vale quase R$ 15 no mercado spot, conforme levantamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Cepea/Esalq), mas os problemas continuam. Até porque, em boa medida, é por causa desses problemas - sobretudo os fitossanitários, que elevam o custo de produção - que os preços subiram tanto.

Com geadas e a disseminação da doença conhecida como greening, a Flórida, estado americano que reúne o segundo maior parque citrícola do planeta, acaba de colher, na safra 2009/10, 134 milhões de caixas de laranja, 25% menos que a média dos dez ciclos anteriores. O mesmo greening afeta a produção em São Paulo, maior produtor do mundo, que colhe uma safra (2010/11) de 185 milhões de caixas, 11% menor que em 2009/10 e bem abaixo das quase 350 milhões de meados desta década.

Há sinais de crescimento na próxima temporada nos dois polos, por causa do salto dos preços, mas a tendência de longo prazo é de estabilidade ou queda, segundo alguns especialistas. Para Maurício Mendes, presidente da consultoria AgraFNP e membro do Grupo de Consultores em Citrus (GConci), o mercado caminha, assim, para volumes mais magros o suficiente para garantir preços médios melhores e mais sustentados na exportação de suco e na produção da fruta.

Novas técnicas de plantio já são capazes de multiplicar a produtividade em áreas menores, o que facilita o controle de doenças e agiliza correções na oferta em casos de guinadas da demanda. É laranja da mão para boca. "O Brasil é mais eficiente que a Flórida em custo, e normalmente os ajustes tomam por base os mais competentes", diz Mendes. Com a oferta perseguindo a demanda mais de perto, é de se esperar, também, ciclos mais curtos de altas ou baixas de preços.

Na medida que expulsa os menos eficientes, quebras da produção de laranja em São Paulo e na Flórida, como as observadas em 2010/11, ajudam a acelerar esse redimensionamento da oferta. Mas, como o processo ainda não está maduro, também abrem espaço para disputas ferrenhas pela matéria-prima. Foi o que aconteceu no mercado paulista no primeiro semestre.

A corrida das indústrias antecipou a colheita e, segundo Margarete Boteon, do Cepea, colaborou inclusive para esvaziar a oferta disponível no spot, onde hoje há poucos negócios. A resistência das empresas em fechar contratos de um ou dois anos se dissipou e novos acordos de compra foram firmados, por valores estimados no mercado entre R$ 13 e R$ 16 por caixa. Parte dos contratos mais longos foram reajustados, mas produtores dizem que muitos ainda brigam por preço melhor.

Apesar dos aumentos, diz a especialista, tem gente ganhando e gente perdendo. "Tudo depende dos custos e da produtividade. Fatores como greening e irrigação interferem muito nesse cálculo". Mendes realça que por isso a localização do pomar é, hoje, muito mais importante do que há dez ou 15 anos. Em regiões tradicionais como Araraquara, no centro-norte paulista, o custo já subiu demais com os problemas fitossanitários. Em municípios mais ao sul como Itapetininga, o ganho pode ser maior. "De modo geral, o custo pode variar de R$ 8 a R$ 15 por caixa em São Paulo. Na Flórida é mais elevado, entre US$ 8 e US$ 9".

Nas contas da Associação Nacional dos Fabricantes de Sucos Cítricos (CitrusBR), criada em junho de 2009 por Cutrale, Citrosuco, Citrovita, Louis Dreyfus - as "4 Cs", levando-se em conta que a LD entrou no ramo com a compra da Coinbra -, muitos citricultores paulistas estão recebendo, hoje, quase 10% mais que seus colegas da Flórida, mesmo com o custo maior no Estado americano, o que sustenta a tese de que o polo paulista prevalecerá diante do aperto da demanda internacional.

Ainda que não seja possível avaliar com precisão quantos produtores de São Paulo estão recebendo mais pela fruta nesta safra e quanto de fato significa esse plus, o departamento de gestão estratégica do Ministério da Agricultura prevê que o Valor Bruto da Produção (VBP, da "porteira para dentro") da laranja atingirá R$ 6,3 bilhões em 2010. Apesar da queda da produção, é o mesmo patamar de 2009.

Nas exportações, afirma Christian Lohbauer, presidente da CitrusBR, a receita também começou a aumentar. Entre vendas de suco de laranja concentrado, não concentrado e para outros fins, foram 665,6 mil toneladas, ou US$ 875,5 milhões de janeiro a julho. Em volume, há uma queda de 6,6% em relação ao mesmo período de 2009, e em valor a retração é de 6,4%. Mas a tendência para a receita total de 2010 é superar a do ano passado, porque muitos contratos de exportação foram ajustados para cima no segundo semestre de 2009, quando as cotações começaram a subir forte com as geadas da Flórida.

Ontem, na bolsa de Nova York, os contratos futuros com vencimento em novembro (segunda posição de entrega) fecharam a US$ 1,3905 por libra-peso, queda de 10 pontos em relação à véspera. Mas, segundo o Valor Data, a segunda posição acumula alta de 43% em 12 meses. Já há, contudo, pressões baixistas à vista, advindas da expectativa de aumento da produção da Flórida em 2010/11. Analistas reforçam que o aumento não representa uma tendência e decorre da baixa base de comparação.

Além de ampliarem os investimentos em logística e em novas técnicas para elevar a produtividade e de unirem operações para ganhar escala - como Citrosuco e Citrovita - , as indústrias exportadoras já diversificam os negócios para outros sucos, seja apenas no transporte ou no comércio. Nessa segunda frente, também há transformações. Ainda que a disseminação de novas bebidas concorrentes tenha gerado uma queda de 17% do consumo global direto de suco de laranja de 2001 a 2009, há mais espaço para que o produto seja usado como ingrediente, ainda que em teores menores.

A gigante americana Coca-Cola, por exemplo, hoje concentra toda a sua compra global de sucos em uma trading com sede em Zurique (Suíça). Não por coincidência, o diretor-geral da trading é Ademerval Garcia, presidente da antiga Associação Brasileira dos Exportadores de Cítricos (Abecitrus), que foi desativada na virada de 2008 para 2009 e depois substituída pela CitrusBR.

Para o processo estrutural em curso de ajuste da oferta à demanda mais curta, dizem especialistas, é melhor que citricultores e indústrias consigam aparar arestas e se preparar para um mercado mais justo agora que os preços estão melhores. Também é preciso aproveitar a boa fase do mercado doméstico, hoje pouco explorado pelas indústrias e pelos produtores de laranja para mesa, para escoar uma parte da produção. Em um ambiente de preços em queda, mostra a história do segmento, as conversações sempre são mais difíceis.

Contexto

As grandes indústrias exportadoras de suco de laranja instaladas em São Paulo costumam cobrir sua demanda pela fruta em três frentes distintas. De acordo com estimativas de Margarete Boteon, pesquisadora do Cepea/Esalq, o mercado spot, somado aos contratos mais curtos (um ou dois anos), representam 35% da demanda, enquanto os acordos de longo prazo, que podem chegar a 15 anos, respondem por uma fatia semelhante. Os demais 30% costumam ser atendidos com a produção própria das companhias, que ampliaram os investimentos na aquisição de fazendas nesta década e atualmente contam com dezenas de unidades espalhadas pelo Estado. Na safra 2007/08, segundo levantamento do Instituto de Economia Agrícola (IEA) - vinculado à Secretaria da Agricultura de São Paulo -, havia em São Paulo 20.720 unidades produtivas agrícolas (UPA) paulistas de laranja, ante 35.883 na temporada 1995/96. A área ocupada também diminuiu na mesma comparação, de 865,8 mil hectares para 741,3 mil. E a concentração continuou de lá para cá. (FL)

Mudanças impulsionam "Consecitrus"

De São Paulo

Anna Carolina Negri/Valor


Margarete Boteon, do Cepea/Esalq: estrutura de custos tem de ser contemplada

A nova realidade do mercado internacional e a decorrente mudança estrutural em curso na cadeia citrícola paulista abriram espaço para o estabelecimento de um novo ambiente para as negociações de preços entre produtores de laranja e indústrias de suco. Com apoio direto do secretário da Agricultura do Estado, João Sampaio, e manifestações favoráveis de indústrias e citricultores, o novo "Consecitrus" poderá estar pronto para nortear as relações na cadeia já na próxima temporada (2011/12), cuja colheita começa no primeiro semestre de 2011.

Chamado de "Consecitrus" em alusão ao Conselho dos Produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Álcool do Estado de S. Paulo (Consecana), que zela pelo relacionamento na cadeia sucroalcooleira, esse novo ambiente terá representantes de toda a cadeia e, segundo seus defensores, estabelecerá critérios para os preços das frutas e tratará de questões citrícolas em geral. "O Consecitrus não se restringirá a preços, mas tratará da organização do segmento", diz Gastão Crocco, diretor de citricultura da Sociedade Rural Brasileira (SRB). A entidade é uma das três que representam os produtores de laranja nas negociações para a criação do conselho. As outras são a Associação Brasileira de Citricultores (Associtrus) e a Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (Faesp). A unificação das lideranças citrícolas em uma só entidade está no radar, mas não há nada de concreto nesse sentido.

"A concentração é uma tendência geral, mas é preciso buscar mecanismos de proteção e criar regras claras e transparentes para as negociações", afirma Crocco. Segundo ele, critérios para a venda da fruta com base na presença de sólidos-solúveis - o equivalente ao teor de açúcar na cana previsto no Consecana - terão de ser estabelecidos, mas as discussões nesse sentido continuam. A transparência das indústrias, aliás, é um ponto nevrálgico para a Associtrus. Líder nas exportações de suco, a Cutrale é a indústria mais envolvida nas negociações para a criação do Consecitrus e garante que será transparente no que for necessário para que as conversações caminhem.

"O Consecitrus é ansiosamente aguardado", diz Christian Lohbauer, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Sucos Cítricos (CitrusBR), que representa as quatro maiores indústrias exportadoras de suco de laranja. "Além da tendência de queda do consumo mundial, as questões fitossanitárias, sobretudo a ameaça do greening, estão na agenda. Queremos entrar na próxima safra com a situação definida", afirma.

Margarete Boteon, pesquisadora do Cepea/Esalq, também participa das reuniões em torno do Consecitrus e o vê com bons olhos. Para ela, na questão dos preços é importante que os critérios levem em consideração as estruturas de custos dos produtores, hoje muito diferentes em virtude da maior ou menor incidência de doenças em uma determinada região. “O citricultor tem de estar atento. Tem muita coisa acontecendo e desunião na crise é sempre complicado", alerta Maurício Mendes, da AgraFNP e do de Consultores em Citrus (GConsi). (FL)

Valor Econômico 26/8/10