‘Combater a corrupção é bom para os negócios’, diz especialista



24/09/2013

Rigoroso na luta contra fraudes corporativas nos EUA, advogado diz que governos tentam dar repostas aos cidadãos.

Garantimos que qualquer lucro obtido irregularmente seja devolvido em escala muito maior. Nossa obrigação é garantir que a empresa não se beneficie em nada da conduta ilegal, para que não se sinta tentada a agir assim de novo, no futuro. Buscamos uma punição exemplar, que a leve a repensar suas práticas.

23 de setembro de 2013 | 2h 10
Gabriel Manzano e Álvaro Campos - O Estado de S.Paulo

Tido como um dos campeões da luta contra a corrupção nos grandes negócios, o americano Lanny Breuer afirma que "o Brasil está no caminho certo" ao aprovar em agosto uma lei anticorrupção - a 12.846 - para punir empresas e também ao dar força às investigações anticartel nas obras públicas. "As pessoas estão dizendo, por toda parte, que não aguentam mais a corrupção, e os governos estão tentando responder a isso", disse ele ao Estado, ao passar na semana passada por São Paulo, onde veio dar palestras a advogados de empresas. Veja também:

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Breuer ganhou fama de "xerifão rigoroso" nas últimas duas décadas como procurador em Nova York e no comando, até março, da divisão criminal do Departamento de Justiça dos EUA. Brigou por mais verbas, expandiu sua área, ampliou as equipes e influenciou juízes para que tornassem penas mais rigorosas. O retorno foram muitas prisões e bilhões de dólares, em multas, de volta aos cofres do governo. Sua conclusão é que combater a corrupção "não é só a coisa certa a fazer, é bom para os negócios".

A guerra contra a corrupção está sendo ganha ou perdida?
A resposta não é fácil. Há um claro movimento, embora lento, no sentido de combater a corrupção. Veja, a Primavera Árabe começou com a indignação de um vendedor de frutas na Tunísia contra um policial que queria propina e deu no que deu. No Brasil e em muitos outros lugares, as pessoas estão dizendo que não aguentam mais a corrupção. Cada vez mais os governantes estão ouvindo esses protestos, o Brasil está no caminho certo ao adotar rigor. Não vai mudar da noite para o dia, mas o protesto é útil, pois quem tenta subornar tem de fazer cada dia mais escondido, sabendo que é maior o risco de ser pego.
O sr. deu ênfase à investigação da corrupção internacional e sua grande arma foi uma lei rigorosa, o Ato contra Práticas Corruptas no Exterior, que foi um modelo para muitos outros países.
No começo, quando pressionamos pelo cumprimento dessa lei, nos diziam: "Como vocês podem fazer isso? Estão colocando as companhias americanas em desvantagem. As companhias de outros países não fazem o mesmo?" Depois, viajávamos para outros países e lá reclamavam que nosso trabalho os prejudicava e beneficiava empresas americanas. Quando me vi criticado pelos dois lados. descobri que estava certo. Minha conclusão é que o combate à corrupção não é apenas a coisa certa a fazer, também é bom para os negócios.
Que instrumentos e métodos suas equipes usavam?
Empregávamos as ferramentas tradicionais usadas contra o crime organizado. Se recebemos uma denúncia de um funcionário de que os executivos de sua empresa pretendem pagar propina a uma autoridade, podemos colocar microfones, gravar a negociação da propina. Emitimos mandados de busca, oferecemos recompensas para quem denuncia. A Securities Exchange Commission (SEC, espécie de Comissão de Valores Mobiliários), trabalha junto, oferece recompensas altas.
Delação premiada, acordo de leniência e compliance têm sido mencionados, em investigações no Brasil, envolvendo multinacionais como Siemens e Alstom.
Também incentivamos a delação premiada. Se a empresa está com medo da investigação e decide colaborar, os agentes a tratam com muito mais leniência. Quando investigamos uma empresa, muitas vezes ela denuncia a concorrente, que adota práticas similares. O que eu tentei fazer nos EUA foi encorajar as empresas a promover seus próprios programas de compliance para reduzir o risco de corrupção interna. Se uma companhia tem 10 mil funcionários, não pode garantir que todos vão agir dentro da lei. Então, se ela mesma descobre algo irregular e nos procura, é tratada com mais leniência.
Em 2008, a Siemens fez um acordo de US$ 800 milhões com o governo americano para encerrar os processos. Agora, no Brasil, ela admitiu ter participado de um cartel que atuou até 2007. Como o sr. avalia essa questão?
Não posso falar do caso Siemens, nem de outras empresas em particular, mas estou convencido de que muitas companhias melhoraram seus programas de compliance. É claro que, se uma empresa resolveu seu caso nos EUA e depois tem problemas em outro país, nosso Departamento de Justiça pode perguntar a seus diretores: "Por que não deveríamos analisar vocês de novo?" Poderão dizer que foi ato isolado de um executivo, o que for, mas terão de se explicar.
Há alguma situação em que os agentes são mais rigorosos?
De modo geral, aplicamos multas grandes. Garantimos que qualquer lucro obtido irregularmente seja devolvido em escala muito maior. Nossa obrigação é garantir que a empresa não se beneficie em nada da conduta ilegal, para que não se sinta tentada a agir assim de novo, no futuro. Buscamos uma punição exemplar, que a leve a repensar suas práticas. Quem é Lanny Breuer
Advogado de 55 anos, é sócio da consultoria Covington & Burling, que atua em Nova York e mais de dez capitais pelo mundo. Em 1985, era procurador em Manhattan, onde investigou a Máfia. Ligado ao Partido Democrata, defendeu o presidente Bill Clinton em um processo de impeachment, em 1997. Com Barack Obama, atuou como diretor adjunto da Divisão Criminal do Departamento de Justiça de 2009 até março passado.