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História de um citricultor

29/05/2008

Xico Graziano

O agricultor Jos? Batistela acompanha, curioso, as not?cias sobre a crise global de alimentos. Assusta-se ao escutar no r?dio, dito por importante homem do FMI, ou da ONU, n?o tem certeza, que a fome poder? desencadear a terceira guerra mundial. Puxa vida, encrenca s?ria.

Reflete o velho sitiante de Araras. Homem rude, nascido na ro?a, m?os calejadas no guatambu da enxada, sempre gostou de uma boa pol?mica. Descendente de italianos, daqueles que ergueram o colonato do caf?, seu Jos? est? confuso.

Rememora o tempo em que plantava feij?o, arroz e milho no seu peda?o de ch?o. Naquela ?poca, h? meio s?culo, o alimento pr?prio fazia parte da subsist?ncia familiar. Havia de tudo em casa: ling?i?a, banha do porco, frango caipira, polenta, ovos e leite frescos, verdura da horta, fruta do p?, caf? mo?do na hora. Fartura da terra.

As coisas, por?m, mudaram. A urbaniza??o, acelerada pelo ?xodo rural, seduziu a sociedade. O valor do moderno passou a residir no p?tio da ind?stria e no asfalto do com?rcio, n?o mais na poeira do campo. Com o tempo, o emp?rio da cidade passou a oferecer comida barata. Depois, chegaram as g?ndolas dos supermercados. Acabou o granel.

Nesse processo, os agricultores familiares aprenderam dura li??o, preparando-se para enfrentar o mercado. Tarefa nada f?cil. Concorr?ncia exige qualidade, regularidade de oferta, escala e tecnologia. Jogo cruel do capitalismo.

Jos? Batistela desistiu de cultivar cereais. N?o valia mais a pena. A cada safra, perdia dinheiro. Na correria da cidade, assim lhe parecia, ningu?m arranja tempo para cozinhar feij?o. Mudam os h?bitos alimentares, alimentos processados ganham espa?o na mesa. Fast food.

Resolveu mudar de atividade. Plantou laranja. Nunca se arrependeu de trocar a subsist?ncia pela lavoura comercial. Entrou na cooperativa, participou dos ''dias de campo'' dos agr?nomos, buscou dinheiro do cr?dito rural, investiu em tecnologia. Era pequeno o seu pomar, mas ele se tornou, orgulhoso, um empres?rio agr?cola. Na d?cada de 80 ganhou dinheiro na citricultura, educou os filhos.

As f?bricas de suco de laranja, por?m, come?aram a apertar seu calo. A situa??o era desigual. De um lado, poucas empresas compram fruta. Do outro, milhares de produtores oferecem seu suor. Pragas novas surgem, qual desgra?a dos c?us. As multinacionais controlam o fertilizante e os agrot?xicos. M?ngua a renda do agricultor.

Teimou na citricultura, enfrentando ?caros e amarelinhos, que lhe roubavam o vigor da planta. At? que cansou e tomou uma importante decis?o: arrendou sua terra para a usina plantar cana-de-a?car, contrato de longo prazo, remunera??o certa, mais que o dobro da laranja, e se aposentou. Afinal, j? morava mesmo na cidade, fugindo da estrada esburacada de sempre. Orgulhoso, participa agora do mundo do etanol, a coqueluche do momento. Chega de problemas.

Pequeno agricultor n?o ? coi?, conforme imaginam intelectuais urban?ides. Ningu?m planta por ideologia. Produzir comida, afora a antiga subsist?ncia familiar, somente vale a pena se der retorno, pagar os custos, devolver dinheiro para cobrir a conta de casa, o estudo dos filhos. Ou quitar o financiamento no banco.

Reclamam que a carne bovina elevou seu pre?o no a?ougue. Tamb?m, pudera. Durante os ?ltimos cinco anos, controlada pelos frigor?ficos, a arroba do boi despencou. N?o pagava o sal mineral. Para sanar o preju?zo a sa?da era matar vaca. O Brasil, entre 2003 e 2006, realizou a maior matan?a de f?meas da sua Hist?ria. Resultado? Faltou bezerro, garrote que n?o engordou. O pre?o da carne subiu.

Com o trigo, ent?o, deu d?. No in?cio dessa d?cada, o Pa?s atendia 65% do consumo interno. Com boa pol?tica, poderia avan?ar mais, investindo no trigo irrigado do cerrado. N?o houve, todavia, nenhum est?mulo ao triticultor. Com seguido preju?zo, diminuiu o plantio. A safra reduziu-se a 25% da demanda nacional, exigindo elevar a importa??o. O barato saiu caro, basta ver o pre?o do p?o e do macarr?o. Culpa do agricultor?

Durante os ?ltimos 30 anos o pre?o dos alimentos recuou pela metade, ou mais, favorecendo os consumidores. O Brasil p?de-se urbanizar e se desenvolver gra?as ? compet?ncia dos seus agricultores, que, ali?s, nunca foram reconhecidos por isso. O abastecimento barato permitiu o sucesso da estabilidade econ?mica, segurando a infla??o. Quase mata, por?m, os produtores rurais, at? hoje endividados. Aqui mora o dilema da comida.

Falta, com certeza, alimento no mundo e muita gente passa fome por a?. Nessa conjuntura, o Brasil poder? levar enorme vantagem. Existem tecnologia, gente e terra de sobra, capazes de produzir aqui dentro e ainda vender aos chineses, indianos, russos, quem quiser. A agricultura nacional se estimula com a alta internacional dos pre?os, sem medo daqueles pregui?osos produtores, l? fora, acostumados com a vida mansa do farto subs?dio.

Essa crise mundial de alimentos poder? devolver a dignidade perdida ao agricultor. Assim imagina o pessoal da ro?a. A sociedade urbana, consumista, que ilude e entope de bugiganga o povo, levou-o a imaginar que o mundo pode viver sem agricultor. Na fartura, desprezou-o, como se banal fosse a labuta no campo. Agora, na carestia, suplica para plantar mais.

Ora, produzir ? f?cil. Mas ningu?m, na ro?a ou na cidade, produz para ter preju?zo. Quem garante a renda do produtor rural? Com ?leo diesel subindo ?s alturas e fertilizante dobrando de pre?o, o agricultor aprende economia. Ser? que, depois de engraxado o trator, os pre?os v?o desabar novamente? Seu Jos? gostaria de saber.

Xico Graziano, agr?nomo, ? secret?rio do Meio mbiente do Estado de S?o Paulo. E-mail: xico@xicograziano.com.br
Site: www.xicograziano.com.br

O Estado de S Paulo 20/5/08


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