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Esse crime chamado justiça

04/09/2009

Dem?trio Magnoli

A jornalista Helena Chagas, diretora de O Globo em Bras?lia (hoje na TV Brasil), soube por seu jardineiro de um dep?sito de vulto na conta do caseiro Francenildo Costa e passou a informa??o ao senador Ti?o Viana (PT-AC), que a transmitiu ao ministro da Fazenda, Ant?nio Palocci. Ent?o, Palocci convocou ao Planalto Jorge Mattoso, presidente da Caixa Econ?mica Federal (CEF). Naquele dia, Mattoso tirou um extrato da conta de Francenildo. ? noite, 23 horas, reuniu-se com Palocci na casa do ministro, num encontro a tr?s, no qual estava Marcelo Netto, assessor de imprensa do Minist?rio. No dia seguinte, o mesmo extrato que circulou na reuni?o foi publicado no site da revista ?poca.

O enredo acima n?o ? uma tese, mas uma narrativa factual, comprovada materialmente pelas investiga?es da Pol?cia Federal, que est? nos autos da den?ncia apresentada ao STF. A defesa alegou n?o existirem ind?cios robustos sobre a autoria da transmiss?o do extrato ? revista e argumentou que o crime de quebra de sigilo banc?rio s? ficou caracterizado no momento da publica??o do extrato. O STF derrubou o argumento central da defesa, identificando ind?cio de crime na transfer?ncia do extrato de Mattoso para Palocci. Mas s? admitiu a den?ncia contra Mattoso, que responder? a processo em inst?ncia inferior. Uma fr?gil maioria, de cinco contra quatro ju?zes, alinhou o Judici?rio com o paradigma do Executivo, expresso por Lula: no Brasil, o Estado distingue os "homens incomuns" dos "homens comuns".

A maioria que livrou de processo o "homem incomum" se orientou pelo relat?rio de Gilmar Mendes, o presidente do STF. Mendes ? um defensor incans?vel de que a Justi?a n?o se pode submeter ao "clamor das ruas" e do princ?pio do Estado de Direito de que ningu?m deve ser punido sem a exist?ncia de provas capazes de arrostar a presun??o de inoc?ncia. N?o h? nos autos prova acima de d?vida razo?vel de que Palocci tenha ordenado a quebra de sigilo. O STF, contudo, n?o julgava a culpa ou inoc?ncia do ministro. Julgava apenas o acolhimento da den?ncia, ou seja, a deflagra??o de um processo. Para isso bastam ind?cios convincentes de participa??o em ato criminoso. Os cinco ju?zes que negaram tal estatuto ao relato comprovado nos autos condenam a Na??o a conviver com a impunidade legal dos poderosos. Eles cometem um crime contra a justi?a.

Nunca, desde o encerramento da ditadura militar, o Estado brasileiro violou t?o profundamente a ordem democr?tica quanto na hora em que Mattoso selecionou, entre os milh?es de correntistas da CEF, o nome de Francenildo, uma testemunha da CPI que investigava o poderoso ministro. No mesmo dia em que o presidente da CEF acessava o extrato "suspeito", mas n?o o transmitia ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), guardando-o para Palocci, Ti?o Viana prometia aos jornalistas "uma grande surpresa". O poder que faz isso n?o conhece limites. Seu horizonte ut?pico ? o Estado policial: a administra??o p?blica convertida em aparelho de intimida??o permanente dos cidad?os, por meio da invas?o da privacidade e da chantagem pessoal.

"A corda acabou estourando do lado mais fraco, como sempre", diagnosticou o juiz Marco Aur?lio Mello, referindo-se ao voto da maioria de seus colegas. Os cinco ju?zes decidiram que o crime inomin?vel s? pode ser reconhecido com a condi??o de que a responsabilidade por ele recaia apenas no agente direto da opera??o ilegal. O paralelo ? inevit?vel: esses ju?zes abririam processo contra um rato dos por?es da tortura, mas absolveriam de antem?o os altos oficiais que comandavam a m?quina de interrogar e torturar da ditadura militar.

O relat?rio de Gilmar Mendes pendeu sobre o abismo por algum tempo, at? ser resgatado da derrota por um inacredit?vel Cezar Peluso. O juiz destro?ou a tese da defesa, mas, antes da conclus?o l?gica, imaginou a hip?tese de que Mattoso n?o seguia uma instru??o do ministro ao quebrar o sigilo de Francenildo. A sua hip?tese altamente improv?vel talvez pudesse sustentar uma absolvi??o de Palocci ao final de um processo. Mas bastou-lhe para rejeitar a abertura do pr?prio processo que a escrutinaria. Peluso suceder? a Mendes ? frente do STF, no ano que vem. A minha hip?tese ? de que ele decidiu contra seus pr?prios argumentos, sacrificando a justi?a para estabelecer uma jurisprud?ncia informal de submiss?o dos ju?zes ao voto do presidente do tribunal nos casos de valor pol?tico estrat?gico. A ordem tradicional que organiza o mundo n?o pode ser violada - eis a mensagem inscrita no voto de Peluso.

A maioria configurada na defesa dessa ordem tradicional relegou Francenildo ao papel de espectador silencioso da solenidade de consagra??o de uma impunidade t?o absoluta que impede a pr?pria instaura??o de processo. Essa maioria assistiu, talvez levemente constrangida, ao espet?culo ign?bil proporcionado pelo advogado de Palocci, Jos? Roberto Batochio, que assomou ? varanda de sua Casa-Grande ideol?gica para apontar o caseiro como um "singelo quase indigente". Quando proferiram seus votos, os cinco ju?zes enxergaram um semelhante n?o em Francenildo, mas em Palocci. Eles votaram na sua casta, deixando as impress?es digitais do persistente patrimonialismo brasileiro nos registros da Corte constitucional.

Francenildo sou eu, somos n?s todos, potenciais testemunhas de desvios de conduta das altas autoridades pol?ticas. A decis?o proferida por um STF diminu?do equivale a uma mensagem destinada aos cidad?os comuns. Eles est?o dizendo que o sil?ncio vale ouro: o privil?gio a uma privacidade que n?o figura como um direito forte aos olhos da Corte devotada a interpretar a Lei das Leis. Est?o condenando a Na??o a calar quando se trata dos homens de poder. Como nem todos calar?o por todo o tempo, est?o condenando o Pa?s a ter novos Francenildos. ? o pre?o que cobram pela absolvi??o do cidad?o mais que comum.

demetrio.magnoli@terra.com.br

O Estado de S Paulo 3/9/2009


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