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Cutrale - O lado do baro

16/10/2009


Adital -

320 km de S?o Paulo.

A ?rea de laranjais de cinco hectares est? localizada numa imensa gleba de 10 mil hectares e pertence ? Uni?o federal. Foi grilada (invadida) pela empresa Sucoc?trico Cutrale Ltda., de propriedade da fam?lia Cutrale, oriundos da Sic?lia, sul da It?lia, h? muitos anos. O Instituto Nacional de Coloniza??o e Reforma Agr?ria (Incra) j? teria se manifestado em rela??o ao conhecimento de que as terras s?o realmente da Uni?o, mas nenhuma provid?ncia legal foi tomada pelo ?rg?o federal.

A revista Veja, em maio de 2003, publicou mat?ria com chamada de capa sobre a empresa Cutrale. Para a insuspeita revista da fam?lia Civita, "o brasileiro Jos? Lu?s Cutrale e sua fam?lia det?m 30% do mercado global de suco de laranja, quase a mesma participa??o da Opep no neg?cio de petr?leo".

Assim, a Cutrale n?o ? cachorro pequeno, como pode parecer a quem n?o conhece a sua hist?ria, suas conquistas e seus feitos. ? Preciso, pois, contar um pouco desses fatos, para que o senso comum n?o pr?-julgue a partir das imagens do v?deo da PM paulista (ou da pr?pria Cutrale).

A partir deste par?grafo, as informa?es que passaremos foram extra?das da Veja, edi??o 1802 (14 de maio de 2003). Ningu?m desconhece a marca direitista e conservadora do seman?rio da Abril, portanto, insuspeitos de estarem distorcendo informa?es sobre um player agressivo do nosso capitalismo tupinamb?, como veremos.

A produ??o mundial de laranjas e derivados se reduz a duas regi?es pontuais do globo terrestre, interior de S?o Paulo, no Brasil, e interior da Fl?rida, nos Estados Unidos. Cerca de 70% do suco consumido no mundo ? plantado e industrializado por brasileiros (n?meros conservadores de 2003).

A Cutrale vende suco concentrado para mais de vinte pa?ses, entre os quais os Estados Unidos, todos os da Europa e a China. Seus clientes s?o grandes companhias do padr?o da Parmalat, da Nestl? e da Coca-Cola, dona de uma das marcas de suco de laranja mais populares nos Estados Unidos. O principal segredo do neg?cio consiste em adquirir fruta a um pre?o baixo - pre?o de banana, brincam os fornecedores -, esmag?-la pelo menor custo poss?vel e vender o suco a um valor elevado - informa a Veja.

Em 2001, ainda no governo FHC, a Receita Federal se interessou pela quest?o enigm?tica da alt?ssima lucratividade da Cutrale (nos anos 80, a empresa teve taxas de retorno na ordem de 70%, um fen?meno raro) e teve dificuldade em analisar as contas do grupo. Fiscais de Bras?lia e S?o Paulo procuraram entender como a Cutrale ganha tanto dinheiro. N?o localizaram nenhuma irregularidade. Uma autoridade da Receita relatou a Veja que a estrat?gia para elevar a lucratividade do grupo passa por contabilizar uma parte dos resultados por interm?dio de uma empresa sediada no para?so fiscal das Ilhas Cayman. Com isso, informa a autoridade da Receita, a Cutrale conseguiria pagar menos imposto no Brasil. Trata-se de um mecanismo legal. Foi o que a Receita descobriu ao escarafunchar as contas da organiza??o da fam?lia Cutrale.

A agressividade gerencial da fam?lia Cutrale ? uma lenda no interior paulista. Os plantadores de laranja no Brasil t?m poucas op?es para escoar a produ??o. H? apenas cinco grandes compradores da fruta e Cutrale ? o maior deles. Por essa raz?o, acabam mantendo com o rei da laranja uma rela??o que mistura temor e depend?ncia. Por um lado, precisam que ele compre a produ??o. Por outro, assustam-se com alguns m?todos adotados por Cutrale para convenc?-los a negociar as laranjas por um pre?o mais baixo. Produtores ouvidos por Veja afirmam que a fam?lia Cutrale costuma fazer enorme press?o para conseguir pre?os melhores na fruta ou mesmo adquirir fazendas. "Empregados deles nos visitavam e queriam que a gente vendesse nossa propriedade. Do contr?rio diziam que ser?amos prejudicados na safra seguinte", afirmou um produtor que passou pela experi?ncia de negociar com os Cutrale. Outro fazendeiro relata hist?ria semelhante, pois tamb?m foi procurado para vender sua fazenda de laranja. "Antes de eu ser abordado, minha fazenda foi sobrevoada algumas vezes por um helic?ptero da companhia", diz.

Outra reclama??o comum feita a Veja por produtores diz respeito aos termos de alguns contratos de compra de laranja. No ano 2000, 200 produtores acionaram em bloco a Cutrale. Acusavam-na na Justi?a de descumprir um contrato pelo qual a empresa se comprometia a receber 5 milh?es de caixas de laranjas. Segundo os produtores, nos dias em que eles tentaram fazer a entrega, os port?es estavam fechados e a laranja come?ou a estragar. Os produtores quiseram ser ressarcidos pelo preju?zo, mas a Cutrale alegava que n?o lhes devia nada, j? que n?o havia recebido a fruta. Os produtores receberam uma liminar para entregar o produto. S? depois disso a Cutrale aceitou a encomenda. "? dif?cil conseguir bons pre?os tratando com algu?m que pode dizer n?o at? sua laranja apodrecer", conta um produtor que por raz?es ?bvias prefere n?o se identificar.

Essa linha dura j? rendeu a Cutrale discuss?es legais por forma??o de cartel. De 1994 para c? [2003], Cutrale j? foi alvo de cinco processos no Conselho Administrativo de Defesa Econ?mica, o Cade, a autarquia encarregada de preservar a concorr?ncia. Ele n?o estava sozinho no caso. Foi investigado juntamente com outras grandes ind?strias do setor. Jamais sofreu uma puni??o. Num desses processos, duas associa?es de produtores de laranja denunciaram ao Cade que Cutrale e outras ind?strias estavam se reunindo para combinar pre?os, o que prejudicava os plantadores. O desfecho do caso foi amig?vel. As empresas assinaram um "termo de compromisso de cessa??o das irregularidades" com os fazendeiros, comprometendo- se a n?o se reunir para organizar pre?os. O Cade decidiu que as empresas de suco de laranja n?o poderiam se organizar dessa forma.

Em v?rios aspectos, a ind?stria de suco de laranja lembra as empreiteiras. Al?m de ser um mercado concentrado nas m?os de poucos gigantes, os dois setores mant?m uma longa hist?ria de depend?ncia em rela??o aos governos.

* M?dico aposentado, octogen?rio, estudioso dos problemas sociais, econ?micos e pol?ticos. Ligado desde a juventude ?s lutas sociais e colaborador de movimentos sociais como o MST e Movimento dos Pequenos Agricultores

http://www.pt.org.br/portalpt/index.php?option=com_content&task=view&id=82988&Itemid=236

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