30/06/2010
Aldo Rebelo

Sob o autoexplicativo t?tulo Farms Here, Forests There (Fazendas Aqui, Florestas L?), foi publicado nos Estados Unidos, em maio

Sob o autoexplicativo t?tulo Farms Here, Forests There (Fazendas Aqui, Florestas L?), foi publicado nos Estados Unidos, em maio, estudo patrocinado pela National Farmers Union (Associa??o Nacional de Fazendeiros) e pela organiza??o n?o-governamental Avoided Deforestation Partners (Parceiros contra o Desmatamento, em tradu??o livre). A autora principal do relat?rio ? Shari Friedman, ex-funcion?ria do governo Clinton, quando trabalhou na Environmental Protection Agency (EPA, a Ag?ncia de Prote??o Ambiental), analisando pol?ticas dom?sticas de mudan?as clim?ticas e competitividade internacional. Ela tamb?m fez parte da equipe norte-americana de negocia?es para o Protocolo de Kyoto, que os Estados Unidos se negaram a assinar.

O tema do relat?rio ? a perda de competitividade da agroind?stria norte-americana diante dos pa?ses tropicais, principalmente o Brasil. A tese principal do estudo ? que a ?nica forma de conter essa perda de competitividade ? reduzir o aumento da oferta mundial de produtos agropecu?rios, restringindo a expans?o da ?rea agr?cola nos pa?ses tropicais pela promo??o de pol?ticas ambientais internacionais mais duras.

Segundo o relat?rio, "a destrui??o das florestas tropicais pela produ??o de madeira, produtos agr?colas e gado tem levado a uma dram?tica expans?o da produ??o de commodities que competem diretamente com a produ??o americana". Desse modo, "a agricultura e as ind?strias de produtos florestais dos Estados Unidos podem beneficiar-se financeiramente da conserva??o das florestas tropicais por meio de pol?ticas clim?ticas".

O estudo avalia que "acabar com o desmatamento por meio de incentivos nos Estados Unidos e da a??o internacional sobre o clima pode aumentar a renda agr?cola americana de US$ 190 bilh?es para US$ 270 bilh?es entre 2012 e 2030". Esse aumento incluiria benef?cios diretos de US$ 141 bilh?es, decorrentes do aumento da produ??o de soja, carne, madeira e substitutos de ?leo de palma, e economias indiretas de US$ 49 bilh?es, em raz?o do menor custo da energia e de fertilizantes, pela redu??o das medidas compensat?rias associadas ? diminui??o das florestas tropicais, ou seja, na medida em que os pa?ses tropicais polu?rem e desmatarem menos, eles poderiam poluir e desmatar mais, sem ter de pagar por isso comprando cr?ditos de carbono e outras medidas mitigadoras.

A candura com que eles tratam do tema ? comovedora. O estudo revela que na cabe?a deles n?o passamos mesmo de um fundo de quintal que precisa ser preservado para que eles possam destruir o resto do mundo com a consci?ncia tranquila e, principalmente, com o bolso cheio.

J? vai longe - e sem saudades - o tempo em que a sociedade brasileira se curvava, sem questionamentos e sem esperneio, ? tutela dos pa?ses ditos do Primeiro Mundo. Hoje ? inadmiss?vel pensar que pa?ses livres tenham de se submeter ?s manipula?es econ?micas de outras na?es.

O aspecto tr?gico dessa proposta ? a completa aus?ncia de responsabilidade social dos agricultores norte-americanos, que veem a agricultura apenas como uma forma de aumentar sua pr?pria fortuna, e n?o como a solu??o para a quest?o da fome no mundo. Ao produzir mais alimentos - e, com isso, mantendo seus pre?os mais acess?veis aos pa?ses pobres -, o Brasil ajuda a evitar que essa epidemia terr?vel se espalhe ainda mais no planeta.

Houve ainda uma ?poca em que a divis?o internacional do trabalho imposta pelos pa?ses ricos reservava para eles a produ??o de bens manufaturados e aos pa?ses pobres, o fornecimento de bens agr?colas e mat?rias-primas. Hoje se vai estabelecendo uma nova divis?o: os Estados Unidos e a Europa transformaram-se em economias de servi?o e grandes produtores e exportadores agr?colas, enquanto a produ??o industrial se deslocou para a ?sia.

Nesse novo esquema, pa?ses como o Brasil deveriam, na opini?o deles, cumprir um novo papel: tornar-se uma esp?cie de "?rea de preserva??o permanente global". Com isso se resolveriam dois problemas: o comercial, pois sua produ??o agr?cola ineficiente se viabilizaria pela redu??o da oferta e pelo aumento dos pre?os internacionais; e o ambiental, porque garantir?amos a compensa??o necess?ria para que eles continuem a manter seu atual padr?o de consumo, que exige a explora??o dos recursos naturais globais acima da capacidade que a natureza tem de rep?-los.

Tudo isso funcionaria muito bem, n?o fosse o fato de sermos um pa?s de mais de 190 milh?es de habitantes, que precisam satisfazer as mesmas necessidades b?sicas que os americanos e europeus e t?m as mesmas aspira?es de progresso material e espiritual, cada vez mais parecidas e universais no mundo globalizado. Sim, n?s tamb?m temos direito ? felicidade nos mesmos moldes dos europeus ocidentais e dos norte-americanos!

Faz sentido, portanto, a defesa "desinteressada" que eles fazem dos chamados "povos da floresta". Al?m de sua express?o quantitativa reduzida, esses brasileiros t?m um padr?o de consumo que n?o compete com eles no uso dos recursos naturais e torna perfeitamente vi?vel o esquema de "fazendas l? e florestas aqui".

S? n?o dizem o que fazer com os 190 milh?es de nossa popula??o que n?o vivem nas florestas e precisam produzir comida e outros bens para ter um padr?o de vida digno. Para estes eles t?m a solu??o que j? aplicam na ?frica, depois de arruinarem a produ??o local de algod?o, milho, tomate e outros alimentos, com os subs?dios milion?rios que d?o aos seus pr?prios fazendeiros: a chamada "ajuda humanit?ria".

A continuar nesse ritmo, em vez de comprar comida nos supermercados, vamos acabar tendo de esper?-la cair do c?u em fardos atirados pela For?a A?rea Americana ou distribu?dos pela Cruz Vermelha e pelo Greenpeace.

DEPUTADO FEDERAL (PC DO B-SP), RELATOR DO C?DIGO FLORESTAL, PRESIDIU A C?MARA DOS DEPUTADOS E FOI MINISTRO DE RELA??ES INSTITUCIONAIS NO GOVERNO LULA