O governo, através da SEAE, órgão do Ministério da Agricultura, publicou hoje seu parecer sobre a fusão da Citrosuco e a Citrovita, recomendando a sua aprovação, sem restrições.

Esta decisão, se acatada pela SDE e posteriormente pelo CADE, representará uma enorme derrota para os citricultores, funcionários das indústrias, e para a economia dos municípios citrícolas, que mais uma vez se defrontarão com fechamento de fábricas, desemprego, menor remuneração e maiores custos de frete para os citricultores, menor arrecadação para os municípios, menor atividade no comércio, tudo o que já vivemos com o fechamento da Cargill e de outras fábricas que o cartel tem comprado para fechar!

O estudo, demonstrando ignorar o parecer da Associtrus, considera que o produtor que se sentir prejudicado pela concentração das esmagadoras, pode comercializar a sua produção no mercado interno de fruta fresca, como se esse mercado fosse suficientemente grande, forte e independente das indústrias. O parecer não leva em conta que o mercado, que comercializa cerca de 10% da produção do estado, não tem capacidade para, repentinamente, absorver um volume adicional proveniente das esmagadoras, responsáveis pelo processamento de 90% da fruta produzida em São Paulo, que corresponde a 80% do mercado mundial de suco de laranja. Adicionalmente, as empresas voltadas para o mercado interno dependem das indústrias para a colocação da fruta que não atingir as exigências desse mercado ou que não seja absorvida por ele em virtude das flutuações de demanda.

As esmagadoras utilizam sua enorme capacidade de produção para manipular o mercado interno, colocando ou retirando do mercado quantidades significativas de fruta. Nesta última safra, o mercado interno trabalhou com preços bastante elevados porque a indústria avançou sobre a fruta destinada ao mercado de fruta fresca. Em outras safras, as indústrias liberaram seus pomares, no inicio da safra, quando os preços estavam “altos”, para baixá-los e assim iniciar suas compras com preços menores. Assim, embora o consumo cativo seja significativo, ele não atende toda a necessidade da indústria, e o poder de oligopsônio é exercido com reflexos negativos para os produtores independentes.

Um fato que está ocorrendo nesta semana contraria a conclusão do parecer: estamos na entressafra, com uma oferta reduzida de fruta e o mercado interno de fruta fresca está pagando em torno de 26,00 a caixa na árvore e a indústria está pagando 15,00 por caixa posta.

A Cutrale anunciou o fechamento da fábrica de Itápolis e, com isso, o preço da caixa de laranja para a indústria deverá ser reduzido para 9,00 na próxima semana, porque estará em funcionamento apenas uma pequena fábrica que produz suco para o mercado interno e não tem capacidade para absorver a fruta que a Cutrale deixará de processar. Como decorrência disso, muito provavelmente o preço da fruta de mercado será reduzido, porque o mercadista terá prejuízo com a fruta que entregaria à indústria.

Através dessa manobra, a indústria já vai sinalizando para o mercado um novo patamar de preço, aumentando a ansiedade dos produtores descapitalizados, que pressentem que vão conviver com essa situação, sem conseguir fazer novos contratos até o final de junho ou até mais tarde.

Outro ponto que nos deixa atônitos é o não questionamento da concentração representada pela integração vertical, ou seja, a “verticalização” implementada com apoio do governo e que aumentou o poder de mercado da indústria de maneira absurda e penaliza os produtores independentes. A indústria, graças a seus pomares próprios, retarda ao máximo a contratação da fruta dos demais produtores, todos descapitalizados e endividados por duas décadas de cartel, levando-os ao desespero e à aceitação de preços e condições aviltantes.

O parecer aí avança e extrapola seu objetivo aprovando a integração vertical que não é o objeto do estudo. A verticalização foi-se processando de forma sorrateira no decorrer do tempo e não foi ainda objeto de análise e, já que a SEAE levantou a questão, as autoridades que reverão este parecer, deverão analisar os efeitos da integração vertical no mercado.

A decorrência da concentração, verticalização e cartelização foi a expulsão de 14.185 citricultores, segundo a entidade que representa as indústrias, embora a Associtrus acredite que este número supere os 20 mil produtores. Estimamos que 350 mil ha de pomares de citricultores independentes tenham sido erradicados e que os citricultores, além de perderem seus pomares, acumulam uma dívida que supera R$ 1 bilhão, sem contar os danos morais causados pelos prejuízos econômicos impostos por essa indústria.

O parecer apresenta uma pérola ao informar que o “exercício de poder de mercado por parte da indústria é possível, porém improvável”!

O argumento da capacidade ociosa como inibidor do poder de concorrência não se sustenta, ao contrário, como lembra o Dr. Paulillo, Steindl (1952) - maior referência teórica em estratégia de utilização de capacidade ociosa planejada - mostra que os oligopólios é que lançam o uso da capacidade ociosa planejada como barreira à entrada de concorrentes.

O estudo é encerrado com o comentário de que o Consecitrus, que está em uma fase embrionária e apresenta enormes desafios para se concretizar, dadas as enormes discordâncias entre as propostas das diferentes entidades envolvidas, “como solução salutar, criada pelo próprio mercado”, para solucionar os problemas que se agravarão com esta fusão.

É também inexplicável que uma proposta de concentração de um setor investigado por cartel não leve em consideração as práticas ilegais e anticoncorrenciais que conduziram o setor à condição de concentração em que se encontra atualmente e os danos causados ao mercado daí decorrentes.

Resta-nos a esperança de que essa recomendação não seja acatada pelos órgãos que a revisarão.


Flávio Viegas
Presidente da Associtrus