21/10/2011
Exportao da laranja rendeu R$ 2 bi no primeiro semestre. Foto: Chrissi Nerantzi / Stock PhotosQuatro empresas exportadoras do suco da laranja definem o valor mximo que ser oferecido aos produtores. Procurador do Trabalho v formao de cartel e prejuzo aos trabalhadores na colheita da fruta.
Por Beatriz Camargo
A exportao do suco de laranja est entre as dez maiores vendas do pas, gerando divisas de quase R$ 2 bilhes s no primeiro semestre deste ano. Na outra ponta da cadeia produtiva, os colhedores da fruta recebem em mdia R$ 0,30 para encher uma caixa com 40,8 quilos de laranja. Como ganham por produo, o salrio mensal desses trabalhadores rurais varia entre R$ 400,00 e R$ 600,00 por uma jornada de trabalho de nove horas dirias.
Quatro empresas definem no pas o preo que ser pago ao produtor rural e, conseqentemente, tambm determinam qual ser o salrio dos colhedores de laranja. As brasileiras Cutrale e Citrovita e as estrangeiras Citrosuco e Coinbra-Frutesp so as empresas que processam e enviam o suco para o mercado externo.
"H uma relao direta entre o salrio do trabalhador e o preo da caixa da laranja. Como o preo da caixa baixo, o valor pago aos trabalhadores tambm ser baixo. Alm disso, o cartel entre essas empresas quem fixa o preo da caixa da laranja", afirma o procurador do Trabalho Ricardo Wagner Garcia, da 15a Procuradoria Regional do Trabalho (PRT), em Campinas. Ele estuda o setor h dez anos e explica que h formao de cartel quando essas empresas acertam entre si o valor que iro oferecer ao produtor rural pela matria-prima. E fazem isso a partir do clculo de quanto iro lucrar com a exportao do suco. "Essa relao invertida, que define o preo de cima para baixo, a maior responsvel pelas pssimas condies de trabalho enfrentadas pelo safrista da laranja", denuncia.
A definio do preo "de cima para baixo" tambm prejudica os produtores de laranja. Segundo estimativa da Associao Brasileira de Citricultores (Associtrus), desde 1991 j foram expulsos do setor 15 mil produtores, que cederam o espao de seus pomares a outras culturas. Vale lembrar que a vitria do acar brasileiro contra a Unio Europia na Organizao Mundial do Comrcio e o aumento do interesse internacional pelo lcool combustvel tem espalhado o mar verde da cana-de-acar sobre reas ocupadas pela laranja.
Nos ltimos anos, a indstria exportadora tambm sofreu uma concentrao: em 1994 havia 14 empresas, enquanto hoje s existem cinco. Uma delas, contudo, a Montecitrus, processa apenas as frutas de sua prpria lavoura. No pas, os laranjais esto concentrados em dois estados: So Paulo, com 322 municpios dedicados citricultura, e Minas Gerais, com pelo menos 11 cidades.
Um citricultor de Bebedouro (SP) com 35 anos de experincia no setor - que preferiu no ter seu nome publicado por temer presso das indstrias - confirma que a falta de concorrncia entre as gigantes da laranja fixa o baixo valor pago aos produtores. "Em 15 minutos, uma empresa telefona pra outra e combina no vamos pagar mais do que tanto'". Ele afirma tambm que os produtores no so beneficiados quando h alta do preo no mercado externo. "Fica tudo para eles. Dividem com a gente s o prejuzo, quando tem lucro eles no dividem", desabafa.
J o presidente da associao das indstrias, Ademerval Garcia, afirma que o melhor caminho para equilibrar a relao entre o citricultor e a indstria instituir a participao dos produtores na venda. "Isso uma deciso dele, se ele estiver disposto a encarar o risco que compartilhar lucros e prejuzos", diz.
A associao dos produtores calcula que, para ressarcir pelo menos o custo de produo do citricultor, a caixa da laranja deveria ser vendida indstria por R$ 15,00, e no a R$ 7,50, como a mdia atual. Isso porque a colheita e o transporte da carga at a indstria ficam por conta do produtor, a um custo de cerca de R$ 3,00 por caixa, que se somam aos custos com a lavoura e os funcionrios fixos. Esses produtores recebero da indstria, porm, apenas ao final da safra, ou seja, um ano aps a venda.
"O produtor, principalmente o pequeno, est se endividando. Ele no consegue reinvestir na produo e no tem condies de arcar com as exigncias trabalhistas dos colhedores", expe Flvio Viegas, citricultor e presidente da Associtrus. J Ademerval Garcia, representante das indstrias exportadoras, acredita que o problema tem origem na falta de organizao do setor produtivo, que poderia exigir medidas de apoio do governo. "Com um preo ideal, daria para pagar todas as etapas da cadeia e permitir reinvestimento na produo. Mas a realidade diferente, pois depende de como o suco vende l fora."
Responsveis pela fora de trabalho que impulsiona essa cadeia produtiva, os colhedores de laranja tm seus salrios defasados em mais de 150%, calcula o diretor do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itpolis (SP), maior municpio citrcola do estado, Avelino Antonio da Cunha. "Para ganhar alguma coisa e ter uma qualidade de vida, o colhedor precisaria ganhar 0,80 centavos pela caixa". Ele diz, no entanto, ser impossvel negociar aumento de salrios com os produtores porque eles esto "massacrados pela indstria". Segundo ele, a estratgia dos sindicatos da regio reivindicar o aumento diretamente com as indstrias, mas elas tm se recusado a negociar.
"Existe uma viso equvoca de que a indstria tem que resolver os problemas que deveriam ser resolvidos pelo governo", defende o representante das exportadoras.
Condies de trabalho
As aes de equipes de fiscalizao do trabalho, quando encontram irregularidades nas lavouras tm responsabilizado tambm as indstrias, uma vez que a maioria dos produtores tem contratos de fornecimento exclusivo para essas empresas.
De acordo com o procurador Wagner Garcia, o trabalho nas plantaes de laranja tem em geral condies degradantes, pois, alm de ganharem mal, os trabalhadores esto sujeitos a pssimas condies de alojamento, alimentao e higiene.
Para o representante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jaboticabal, Lineu Nobukuni, a situao melhorou aps a edio, em maro de 2005, de uma norma que define a infra-estrutura a ser oferecida ao empregado rural. "Hoje j tem gua fresca e potvel, a comida melhor. Mas tudo isso acaba saindo do bolso do trabalhador porque ele ganha menos."
Os sindicalistas consideram, no entanto, que mesmo com as melhorias o colhedor de laranja mais pobre e tem menos qualidade de vida que o cortador de cana-de-acar porque a negociao dos salrios feita diretamente com as usinas sucroalcooleiras e a terceirizao de mo-de-obra est quase eliminada. Em termos salariais, a situao tambm outra: com mesmo nmero de horas de trabalho, o cortador de cana consegue ganhar em mdia entre R$ 800,00 e R$ 1.200,00.
Nobukini admite que o trabalho na laranja no to penoso quanto o corte da cana, mas tambm provoca seqelas graves, como problemas ortopdicos. "Voc carrega uma mochila no pescoo de 15 a 20 quilos e fica subindo e descendo a escada. Mas, se d problema de coluna, por exemplo, a fica impossibilitado de trabalhar."
Abaixo do preo
Os baixos salrios dos trabalhadores rurais no se traduzem, contudo, em suco de laranja mais barato. Depois de venderem o produto final para as suas representantes nos outros pases, as empresas redefinem o preo no exterior. Segundo o procurador Wagner Garcia, elas exportam o suco abaixo do valor de mercado porque, vendendo mais barato, pagam menos imposto de exportao do que deveriam. "A Cutrale brasileira vende a apenas US$ 800 a tonelada de suco para a Cutrale norte-americana", afirma. Enquanto isso, o preo mdio do mercado de US$ 2.600 para a mesma quantidade de suco.
Wagner Garcia ressalta que, com esse comportamento, toda a riqueza com a venda do suco transferida para o exterior. "Isso j o suficiente para que o governo brasileiro tenha interesse em investigar e eliminar o cartel da laranja", argumenta."Principalmente porque ele causa o empobrecimento de produtores e trabalhadores rurais."
Desde 1999, existe um processo no Conselho Administrativo de Defesa Econmica (Cade), do governo federal, que investiga denncias de formao de cartel pela indstria da laranja. O Conselho tm documentos das quatro grandes empresas que supostamente comprovariam a formao de cartel.
As indstrias propuseram um acordo ao Cade, que determina, entre outras medidas, o fim das investigaes, com a devoluo dos documentos apreendidos. Em troca, elas mudariam sua postura. O Cade ainda no tem uma posio sobre o fechamento ou no do acordo, que est sendo analisado pelo Ministrio Pblico Federal.
"Se o Cade fizer o acordo, vai ter prejuzo para os trabalhadores: a indstria continua com o cartel, continua massacrando os produtores que continuam massacrando os trabalhadores. Alivia a situao da indstria e ela mantm a explorao como est", alerta o sindicalista Cunha, de Itpolis.
Na opinio do presidente da associao exportadora, entretanto, no existe cartel, mas "homogeneidade" no setor porque as empresas tm tecnologia semelhante, utilizam a mesma infra-estrutura e vendem para os mesmos clientes e, tem portanto, preo parecido. " muito difcil as indstrias terem preos diferentes. essa homogeneidade que permite a abertura de dizer que cartel porque tudo igual', sugerindo que o preo combinado", defende Ademerval Garcia.
O Ministrio da Agricultura, em conjunto com a Secretaria de Direito Econmico, estuda mediar os conflitos entre as empresas e os produtores. O ministrio no se pronunciou at o fechamento desta reportagem.