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COOPERATIVISMO EM BEBEDOURO

12/11/2014

Meio século de sucesso renovado - 4

A aquisição da Frutesp foi um dos episódios mais marcantes dos 50 anos do cooperativismo bebedourense e, provavelmente, um dos fatos mais relevantes de toda a história do cooperativismo brasileiro no setor agropecuário. Representou a vitória da determinação de um grupo de citricultores, cujo esforço para efetivar a compra dessa fábrica de suco de laranja concentrado consumiu anos, enfrentou a oposição de autoridades do governo paulista e teve que superar os interesses de poderosos grupos empresariais já estabelecidos no setor. Ao final, o êxito alcançado pelos produtores foi uma demonstração da força extraordinária do modelo de negócios cooperativista.

Um sonho antigo é concretizado
A principal finalidade da criação da Coopercitrus (o que, aliás, explica por que o vocábulo “citrus” entrou em seu nome), foi reunir os citricultores que se concentravam na região Norte de São Paulo e que constituíam a maioria dos produtores de laranjas destinadas ao processamento industrial no Brasil, em torno de uma ideia que a muitos parecia demasiado ambiciosa: ter sua própria fábrica de suco de laranja. Não era uma ideia nova. Desde o final dos anos 1950, os citricultores reclamavam maior apoio para fortalecer sua presença no mercado internacional. Careciam, então, de maiores e melhores instalações de classificação de laranjas, da mecanização do sistema de carregamento no porto de Santos e, principalmente, de investimentos na industrialização, argumentando que esta fora a mola propulsora da consolidação da citricultura nos Estados Unidos.
A Capezobe, nos seus primeiros anos de funcionamento, chegou a fazer uma tentativa de adquirir uma extratora para começar a produzir suco. O diretor gerente da cooperativa, Antonio Gaspar, que havia ganho uma bolsa de estudos para um curso nos Estados Unidos, foi encarregado de fazer contato com o fornecedor da máquina e obter o respectivo financiamento. Acertou as condições do negócio, mas ao voltar a Bebedouro com a informação de que cada cooperado deveria assinar uma nota promissória para garantir a compra, os produtores voltaram atrás. Os negócios já haviam melhorado e poderiam pensar com mais calma na industrialização.

Novos estudos em 1974
Anos mais tarde, em 1974, a Capdo também demonstrou interesse em ingressar no setor industrial. Para isso, contratou os serviços de uma empresa de consultoria para elaborar um projeto de viabilidade econômica do empreendimento. A fábrica seria instalada em Monte Azul Paulista e teria capacidade de moagem de 5 milhões de caixas de laranja por ano-safra. Para isso, já tinha assegurado os recursos necessários, no montante de US$ 5,3 milhões de dólares (36 milhões de cruzeiros da época), que seria financiado pelo então Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), atual BNDES (com acréscimo do Social ao final de seu nome). No entanto, a Capdo teria um problema a enfrentar se levasse o negócio avante: as indústrias do setor, que já eram gigantescas na região e tinham capacidade de moagem várias vezes maior, poderiam exercer pressão sobre os fornecedores, deixando a nova unidade sem a matéria-prima necessária e, portanto, sem condições de obter retorno sobre o investimento. Se isso de fato ocorresse, a fábrica teria um único destino: fechar, com sérios prejuízos à cooperativa e seus cooperados.
Ainda em 1974, a Capezobe voltou a estudar a instalação de uma fábrica. Para isso, contratou a consultoria do advogado Antônio Carlos Álvares da Silva, que desenvolveu um estudo que envolvia apenas os citricultores e não todos os cooperados. Vale ressaltar que esse advogado acompanhou, como cooperado e também como consultor jurídico, toda a história da Capezobe e foi um dos principais responsáveis pela redação dos estatutos da Coopercitrus, cuja história também acompanharia. Seu estudo foi seriamente levado em consideração pelos citricultores. Apesar das complicações que a instalação da unidade industrial criaria, os produtores estavam dispostos a enfrentá-las, pois sentiam-se prejudicados pelo tratamento que os grupos industriais lhes dispensavam, fato expresso no livro “Coopercitrus, uma história de união, solidariedade e profissionalismo”:
Esse desencontro entre fabricantes de suco e produtores de laranja é fácil de ser compreendido. Normalmente, compradores das indústrias percorriam os pomares na época da florada, calculando a safra potencial com base no número de pés plantados. Assim, a indústria comprava a laranja em flor, para retirá-la no ano seguinte. Ninguém sabia quanto estava vendendo até que o governo passou a exigir notas fiscais para essas operações. Um dos citricultores de Bebedouro mandou imprimir dois talonários com 50 jogos de notas fiscais cada e os entregou ao comprador, por exigência deste, que na ocasião calculou a safra desse produtor no equivalente a 40 caminhões. No ano seguinte, quando entregou as laranjas, o citricultor foi buscar os talonários e descobriu, com indignação, que tinham sido emitidas notas fiscais relativas a 90 caminhões, correspondentes ao volume efetivamente colhido. E comenta: “Eu não era o único. Os produtores vinham sendo logrados já havia um bom tempo”.

Os problemas da Sanderson
Essas dificuldades no relacionamento comercial com os grandes processadores existentes no mercado levaram os produtores a antever que problemas maiores poderiam ocorrer. Não estavam enganados. O que, na verdade, precipitou o interesse tanto da Capezobe quanto da Capdo de industrializar a laranja foi o fato de uma das grandes indústrias do mercado, a Sanderson, empresa de origem italiana que comprara as instalações da antiga Companhia Mineira de Conservas e tinha sua fábrica de suco implantada em Bebedouro, ter entrado em dificuldades e falido. Isso gerou uma crise sem precedentes.
Os citricultores que forneciam sua produção à Sanderson, somando centenas de pequenos empresários rurais, estavam satisfeitos com a forma como a empresa os tratava. Esta comprava as laranjas no pé por um preço compensador e pagava com notas promissórias rurais, que depois os citricultores descontavam em banco. Era um arranjo que os produtores consideravam vantajoso. Em dezembro de 1973, o mercado mostrava-se promissor. As laranjas que seriam colhidas a partir de maio do ano seguinte estavam sendo disputadas pelas indústrias, e a Sanderson destacava-se por pagar o melhor preço. Porém, repentinamente, a expectativa de preços altos inverteu-se e as cotações internacionais do suco começaram a declinar. Em maio de 1974, a Sanderson entrou em dificuldades financeiras. Para pagar pela matéria-prima, recorreu a diferentes fontes de financiamento, desde crédito bancário até empréstimos junto aos citricultores, que endossavam as promissórias, retiravam o dinheiro e o repassavam à própria indústria, que acabou perdendo o controle da situação e paralisou suas operações. Com isso, os pequenos produtores que dependiam da empresa ficaram repentinamente desamparados, sem ter a quem fornecer suas laranjas e, consequentemente, sem sua fonte de renda. A laranja comprada e em parte ainda não paga ficou nos pomares. As demais indústrias pararam de comprar e também não tinham como honrar os contratos de outra empresa. Em setembro de 1974, quando a falência da Sanderson foi decretada, os pomares foram liberados, mas aí já era tarde, pois o prejuízo tornou-se irreversível. O governo paulista, então comandado por Laudo Natel, não deu ouvidos à grita dos citricultores. E o governo federal acabou agravando o quadro no início de 1975, quando proibiu as exportações de uma grande fábrica de sucos, acusando-se de prática de dumping (venda por preço inferior ao custo, configurando concorrência desleal). Essa fábrica havia fechado uma venda de suco por US$ 400,00 a tonelada, enquanto o preço mínimo fixado pela Carteira de Comércio Exterior (Cacex) do Banco do Brasil, que controlava todo o comércio exterior do país, era de US$ 560,00. Como resultado, essa empresa interrompeu suas compras de laranja e a crise aprofundou-se.

Governo decide agir
No início de 1975, Laudo Natel encerrou seu mandato à frente do governo paulista e foi substituído por Paulo Egydio Martins, que se mostrou mais sensível ante o cenário catastrófico da citricultura paulista. Por sua iniciativa, o governo paulista assumiu a massa falida da Sanderson, com o objetivo de manter a fábrica em operação, sanear suas finanças e, depois, devolvê-la à iniciativa privada. Para isso, criou uma nova firma, denominada Frutesp S.A. Agroindustrial, que, em pouco tempo, restituiu a tranquilidade aos citricultores, adquirindo e processando sua produção. Em paralelo, desenvolvia-se um intenso trabalho de bastidores, por meio do qual os líderes cooperativistas bebedourenses, comandados por Walter Ribeiro Porto, buscavam adeptos à idéia de adquirir do governo paulista o controle acionário da Frutesp. Após a fundação da Coopercitrus – que ocorreu apenas 12 dias depois da desapropriação da massa falida da Sanderson -, intensificou-se o movimento visando à compra da Frutesp, por meio de contatos com a Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo e com o governador paulista, Paulo Egydio Martins. Este, além de ser ligado a um grande e tradicional banco paulista, também era um empresário rural bem-sucedido. Foi por isso, provavelmente, que simpatizou com a iniciativa dos citricultores paulistas e decidiu apoiá-la, contrariando os interesses dos poderosos grupos que dominavam o processamento industrial das laranjas e as exportações de suco concentrado e congelado, que também disputavam o direito de adquirir a Frutesp. Para isso, a propósito, chegaram a desencadear uma campanha pela imprensa, a qual teve eco em alguns importantes veículos de comunicação, por meio da qual procuravam influenciar a decisão do governador. Seu argumento: uma indústria com o porte e a importância da Frutesp era um empreendimento para profissionais e não para um grupo de pequenos produtores rurais sem qualquer experiência na área industrial. Enquanto essa batalha verbal era travada, a Coopercitrus, que a essa altura tinha cerca de 3 mil cooperados, 500 dos quais eram citricultores, trabalhava para criar uma base sólida para a aquisição da Frutesp. Nesse sentido, propôs tornar-se fornecedora exclusiva de matéria-prima para processamento pela indústria, compartilhando com ela o risco da operação. Se desse lucro, este seria dividido em partes iguais, o mesmo ocorrendo se houvesse prejuízo. A proposta foi oficialmente aceita em abril de 1977. Isso permitiu à Frutesp operar a plena capacidade na safra 1977/78, processando 9 milhões de caixas de laranja, com um faturamento de 33 milhões de dólares. Com isso, obteve lucro pela primeira vez, no valor de 4,9 milhões de dólares, o qual foi dividido com a Coopercitrus, conforme havia sido acertado previamente. Em consequência, os cooperados que haviam fornecido laranjas para a Frutesp receberam um valor adicional ao inicialmente tratado, o que tornou o acordo duplamente benéfico.

Citricultores vencem
Em razão desses arranjos bem-sucedidos e a despeito de todas as alegações das indústrias já instaladas no mercado, em 14 de maio de 1979, véspera do final de seu mandato, Paulo Egydio Martins assinou a transferência da Frutesp à Coopercitrus. Como garantia à operação, os citricultores cooperados interessados na operação ofereceram hipotecas de suas fazendas e casas, proporcionalmente ao número de pés de laranja de cada um. Essa enorme demonstração de confiança foi provavelmente a maior que a Coopercitrus recebeu ao longo de sua história. Ainda assim, poucas horas antes da assinatura da transferência, surgiu uma exigência inesperada por parte do governo paulista: era necessária uma fiança bancária para completar a garantia. Foi um balde de água fria sobre três anos de sonhos. Mas, quando todos já imaginavam que o negócio estava inexoravelmente perdido, pois julgavam que seria impossível obter tal fiança no mesmo dia, o cooperado Eduardo Matarazzo, utilizando sua influência pessoal, obteve essa garantia final diretamente com a presidência do Banco Safra. O negócio finalmente pôde ser realizado, para alegria e alívio geral dos citricultores de Bebedouro e região. Com a aquisição da Frutesp, foi criada a Coopercitrus Industrial, que passou a geri-la. Em poucos anos, a empresa tornou-se a terceira maior do setor. Com ela, os citricultores conquistaram mais do que um meio próprio para escoamento de sua produção. Passaram a ter conhecimento dos custos industriais, antes um mistério para todos. Desse modo, passaram a receber preços que se mostravam mais transparentes pela matéria-prima fornecida. Em outras palavras, a Frutesp passou a ser também, no mercado brasileiro, um balizador dos preços pagos aos citricultores. Isso sem contar que, ao final de cada exercício, os cooperados ainda recebiam as sobras dos resultados de suas operações. O casamento entre a Coopercitrus e a Frutesp durou 13 anos. Conforme relata o livro “Coopercitrus, uma história de união, solidariedade e profissionalismo”, por decisão dos cooperados da Coopercitrus Industrial, a Frutesp acabou sendo vendida para o grupo francês Louis Dreyfus Commodities, nascendo assim a Coinbra Frutesp Agroindustrial:
Em 1992, reunidos em assembleia, os cooperados da Coopercitrus Industrial deliberaram por vender a fábrica. O principal argumento que fundamentou essa decisão foi o de que a capacidade de investimento e, mesmo, de obtenção de capital de giro da fábrica estava sendo minada, dada a desigualdade de poder em relação às grandes indústrias. Nessa deliberação também pesou a pressão exercida pelas grandes indústrias sobre os citricultores, pagando à época pela matéria-prima preços mais altos do que os oferecidos pela Frutesp, em especial para os maiores produtores e mesmo para alguns produtores médios. As opiniões dividem-se quanto ao que teria sido melhor: conservar a fábrica, com todas as dificuldades apontadas ou realmente transferir seu controle para outro grupo. Alguns julgam que a citricultura perdeu. Outros sustentam que as condições de venda foram vantajosas aos cooperados.
O vice-presidente do Conselho de Administração da Coopercitrus, João Pedro Matta, que acompanhou todo esse episódio, desde seus primórdios até sua conclusão, não toma partido quanto a quem tem razão na controvérsia que se seguiu à venda da Frutesp. Mas é enfático ao defender a forma como esta ocorreu, afirmando que tudo se deu rigorosamente de acordo com as regras do cooperativismo, pois a venda foi decidida por um princípio soberano, a vontade da maioria dos cooperados em assembleia geral, o que a torna legítima e indiscutível.

Inovação e crescimento
O próximo capítulo, penúltimo desta série, descreverá como o espírito inovador e empreendedor dos dirigentes da Coopercitrus contribuiu para o contínuo fortalecimento da cooperativa no setor agropecuário brasileiro e também possibilitou o florescimento da Sicoob Credicitrus, hoje a maior cooperativa de crédito do país, a caminho de tornar-se a primeira em toda a América Latina. Essa descrição será complementada no sexto e último capítulo.

Texto: Allen A. Dupré
Coopercitrus Revista Agropecuária


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