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Dissuasão, proporcionalidade e segurança na multa do Cade

14/08/2017

Por Cristiane Schmidt

Cartel é o ato mais conhecido de um conjunto de condutas anticompetitivas cometidas por pessoas físicas e/ou jurídicas. Esta ação se tornou popular com a Lava-Jato, porém ela já existe há anos. Como multar para se ter concomitantemente dissuasão, proporcionalidade e segurança jurídica? Para responder esta pergunta, há que se pensar nos incentivos corretos que o Estado deve impor aos agentes econômicos e, além disso, respeitar os marcos e processos legais. Não por menos, antitruste é um campo do "law in economics", em que direito e economia são igualmente relevantes.

Antes de adentrar no tema da multa, vale salientar que o Sistema Brasileiro de Defesa Econômica (SBDC) teve crescente relevância para o país desde os anos 90, quando o Ministério da Fazenda deixou de controlar os preços da economia (fim do CIP), quando o país começou a abrir as suas portas para a competição externa e quando a primeira lei da concorrência (8.884/94) foi sancionada. Independentemente dos governos, a evolução do SBDC foi exponencial em termos de experiência, resultados e reconhecimento nacional e internacional. É possível aprimorar o status quo, contudo, especialmente quando outros órgãos (AGU, TCU e CGU) estão avançando nesta seara.

Neste sentido, um dos temas que está na pauta do dia é a discussão acerca de como o Cade deve punir. Uns entendem que deve ser de acordo com parâmetros exógenos. Outros, em que me incluo, que deve ser proporcional ao dano que o agente causou à sociedade, que, por sua vez, deve ser sempre acima da vantagem que este auferiu indevidamente por ter praticado a conduta anticompetitiva. Ex: um ladrão, quando pego roubando um carro, tem que devolver o veículo (vantagem auferida) e algo mais, sendo a soma da pena proporcional ao dano que ele causou. Caso contrário, como existe uma probabilidade positiva de o infrator não ser pego pelo Estado, sempre valerá a pena roubar carros. O problema é que as duas interpretações coexistem no artigo 37 da lei 12.529/11 (segunda lei da concorrência).

A controvérsia, no entanto, vai além da contenda simplória de se a multa aplicada hoje segue um padrão único (a fim de dar previsibilidade). Se dar segurança jurídica fosse o único objetivo da sanção, o Cade poderia cobrar R$ 1 mil por qualquer conduta, independentemente do dano. Ainda que seja uma regra previsível e simples, é pouco razoável, ilógica e muito provavelmente desproporcional e não dissuasória.

A pergunta relevante, por sua vez, é se a multa é proporcional ao dano causado à sociedade e se esta é dissuasória (não só para o infrator, mas também para aquele que está observando a resposta da autoridade antitruste ao delito). Se for, parte-se, então, para criar mecanismos para dar segurança jurídica acerca da metodologia que o Cade adotará. Se não for, há, primeiramente, que aperfeiçoar o marco normativo para que seja. Os dois objetivos são igualmente importantes e alcançáveis. Não há trade off entre eles.

Trata-se de dar os corretos incentivos, com foco na dissuasão, na proporcionalidade e na segurança jurídica.

Há ao menos duas formas de o Estado redistribuir à sociedade o que dela lhe foi tomado no caso de condutas anticompetitivas: através do Cade, que protege o direito difuso dos consumidores via esfera administrativa e que ressarce à sociedade por meio do recolhimento da multa junto ao Tesouro; e através do Judiciário, que repara o dano privado via esfera civil e que ressarce àqueles que foram diretamente afetados. São duas formas diferentes de transferir (ou redistribuir) a renda do infrator para a sociedade. Ambas através do Estado, mas em esferas distintas.

Atualmente não é possível dizer se o Estado pune de forma dissuasória e proporcional, pois 1- o Cade tem aplicado multa usando parâmetros exógenos, desconexos com o dano causado; e 2- quase não há solicitações para a reparação do dano privado. Fazendo uma analogia ao exemplo dado, hoje não se pode afirmar se o ladrão sequer devolveu o carro. Logo, ainda que a multa pudesse ter um padrão inequívoco (o que também não é o caso), esta está mal desenhada em termos de incentivo.

De fato, não há padrão nas sanções aplicadas. Segundo o interessante estudo do Conselheiro Alexandre Cordeiro (Jota, 27/6/17), apenas 23% das multas seguiram os parâmetros do art. 37 da lei, resultado corroborado pela tese de doutorado de Daniel Silva Boson (Dosimetria das penas). Há, assim, inequívoca discricionariedade na forma de sancionar, uma vez que 77% das multas seguiram outros critérios, um sinal de pouca robustez e ausência de uniformidade, fragilizando as decisões da instituição.

É indubitável a seriedade e boa-fé dos conselheiros que fizeram (e fazem) parte do Cade. Não se trata disso. De fato, cada um tem se expressado da forma como considera ser a mais correta. Trata-se, por sua vez, de evoluir na forma de sancionar, dando os corretos incentivos, com foco na dissuasão, na proporcionalidade e na segurança jurídica.

Não se pode viver olhando para o retrovisor e se vangloriando dos avanços feitos, que, certamente, foram muitos. Há, destarte, que continuar progredindo, por mais desafiador que possa ser. Se hoje o Cade é 4 estrelas (de 5), seria ótimo alcançar a excelência.

Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt é conselheira do Cade, doutora pela EPGE/FGV, professora da FGV e ex-secretária adjunta da SEAE/MF no governo Fernando Henrique Cardoso

Valor Econômico, 14/08/2017


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