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O perigo da concentração da mídia

26/06/2007
Domingo, 16 de Janeiro de 2005 O perigo da concentra??o da m?dia Fern?o Lara Mesquita* "O tipo de opress?o de que os povos democr?ticos est?o amea?ados n?o se parecer? com nenhuma das que a precederam no mundo". Alexis de Tocqueville, "La D?mocratie en Am?rique", 1832. Quando est?vamos, ainda, em um mundo bipolar onde as duas grandes for?as divergentes atuando sobre a pol?tica mundial se moderavam uma ? outra e o capital obedecia a controles muito mais r?gidos que os de hoje, a principal amea?a contra a liberdade individual vinha, em geral, do abuso do poder do Estado. Hoje a realidade ? bem outra. Desaparecida a Uni?o Sovi?tica, instalou-se a incontest?vel hegemonia norte-americana que, neste momento, mostra ao mundo, no Iraque, a sua face mais espetacular e agressiva. Mas n?o ? esta a que mais me assusta. O rebaixamento geral da prote??o antitruste na economia norte-americana desencadeou, nos Estados Unidos e no resto do mundo, uma nova onda de competi??o desenfreada e predat?ria e uma incoerc?vel tend?ncia ao a?ambarcamento de todos os setores por corpora?es gigantes. Como corol?rio desse processo, a quantidade de dinheiro detido ou manipulado por essas corpora?es se multiplicou exponencialmente e, com isso, o seu poder de corrup??o. Esse efeito, somado ao estreitamento do n?mero de financiadores privados de campanhas eleitorais, tornou expl?cito um perigoso jogo de coopta??o entre essas corpora?es gigantes e o poder pol?tico. E em nenhum setor esse fen?meno ? mais vis?vel e perigoso que no da m?dia. O processo de concentra??o da propriedade da m?dia nos Estados Unidos ?, ao mesmo tempo, causa e conseq??ncia do exagero do processo de concentra??o da propriedade na economia norte-americana como um todo e, por contamina??o, do processo de concentra??o da propriedade na economia global. S? uma economia no mundo tem peso suficiente para arrastar para seus padr?es de desenvolvimento todas as outras economias do mundo: a norte-americana. E s? uma sociedade conta com uma democracia suficientemente forte e organizada para deter ou regulamentar esse processo: a norte-americana. Mas a imprensa - o Quarto Poder -, ferramenta essencial de acionamento da participa??o do cidad?o no processo decis?rio dos Estados Unidos, traiu a sua fun??o essencial quando chegou o momento de debater e promover a cr?tica de um processo do qual ela se tornou parte interessada. A m?dia foi agente, por omiss?o, do processo de demoli??o da legisla??o de prote??o ? diversidade de opini?es - talvez o segmento mais importante da legisla??o antitruste dos Estados Unidos - que levou ? onda avassaladora de fus?es de empresas de informa??o e entretenimento que acabou resultando no desvirtuamento do papel da imprensa na sociedade norte-americana. Como deter ou reverter esse desvio ? problema dos mais intrincados. A legisla??o que restringia o crescimento sem limites das empresas propriet?rias de r?dios, TVs e jornais nos Estados Unidos foi refor?ada em 1975 pela Federal Communications Comission (FCC). Como nos Estados Unidos a m?dia come?ou a se organizar em redes, de jornais, primeiro, e de r?dios e TVs, mais tarde, desde o in?cio do s?culo 20, a compra de umas pelas outras come?ou cedo a desenhar cen?rios preocupantes, de controle de regi?es inteiras do pa?s por um ?nico grupo de m?dia. A legisla??o de 1975 visava a preservar a diversidade de opini?o, considerada fundamental para o fortalecimento da democracia no pa?s, e estabelecia alguns par?metros simples e eficazes para a consecu??o desse objetivo. - Proibia que um mesmo grupo fosse propriet?rio de jornais e de televis?es num mesmo mercado; - Nenhuma empresa podia ser propriet?ria de canais de televis?o que atingissem mais do que 35% da audi?ncia nacional; - Uma mesma empresa s? podia ter dois canais num mesmo mercado, se fossem canais de audi?ncia pequena e se houvesse pelo menos mais oito canais disputando esse mesmo mercado; - Uma mesma empresa n?o podia ter mais que uma das quatro grandes redes de TV aberta numa mesma pra?a; - Proibia as fus?es entre as quatro grandes redes de TV; - Limitava o n?mero de esta?es de r?dio que um mesmo propriet?rio podia ter num mesmo mercado e impedia a montagem de redes nacionais. Mas a id?ia de que o neg?cio de informa??o, sendo um neg?cio que envolve poder pol?tico, deveria ser tratado de forma diferente dos outros, que sustentava o regulamento da FCC, come?ou a ser erodida ainda no final dos anos 1970, quando a id?ia de infotainment, misturando informa??o e entretenimento, come?ou a tornar as coisas menos claras no mundo do neg?cio da informa??o e serviu de pretexto para que come?assem as press?es dos grupos propriet?rios de m?dia contra as regras de 1975. Desencadeou-se uma onda de processos das companhias interessadas no levantamento das barreiras ? sua pr?pria expans?o. Era a ?poca do "crescer ou morrer". E cada regra que ca?a, beneficiando uma corpora??o, obrigava as demais a seguirem o mesmo caminho "para se manterem competitivas". Sob as vistas grossas dos ?rg?os respons?veis pela legisla??o antitruste e o sil?ncio c?mplice da m?dia, diretamente interessada em quebrar as barreiras, as fus?es e incorpora?es iam acontecendo sem discuss?o. Com George W. Bush, um novo padr?o de relacionamento entre o governo e as grandes corpora?es se instala no pa?s. A promessa de subs?dios setoriais ? uma ferramenta expl?cita da campanha eleitoral e as den?ncias de rela?es esp?rias com grandes grupos econ?micos se multiplicam. Depois da mais controvertida de todas as elei?es da hist?ria dos Estados Unidos, o governo se instala sob crise de legitimidade que s? seria superada pelos atentados de Bin Laden, e debaixo de acusa?es de favorecimento pela Fox na cobertura dos lances at? hoje mal explicados da vota??o na Fl?rida. Com a nova administra??o, Michael Powell, filho de Colin Powell, ex-militar como o pai, torna-se chairman da FCC, aos 39 anos. Anuncia desde o primeiro momento sua inten??o de modificar radicalmente as regras de 1975 e, em 2 de junho de 2003, cumprido o prazo legal, convoca a vota??o das mudan?as pelos cinco membros da FCC: - Cai o embargo ? propriedade cruzada de jornais e TVs; - O limite para as TVs passa a ser de 45% da audi?ncia nacional; - Alteraram-se as exig?ncias para a propriedade de m?ltiplos canais (e tipos) de TV, de tal forma que o monop?lio se torna poss?vel em quase todas as cidades do pa?s, com exce??o das megal?poles onde o limite tamb?m foi ampliado. S? a restri??o ? fus?o das quatro grandes redes e as regras para r?dios permanecem inalteradas. O processo todo rolou em meio ? mobiliza??o para a guerra no Iraque, acontecimento que, sozinho, j? for?ou mesmo a m?dia independente a moderar sua posi??o cr?tica em rela??o ao governo Bush. Isso facilitou a omiss?o da imprensa ligada aos grandes conglomerados de sua obriga??o de proporcionar o debate nacional da decisiva quest?o das regras de propriedade da m?dia. Tudo ter?, ainda, de ser ratificado pelo Congresso, o que quer dizer, teoricamente, que se pode reverter o processo. Mas, enquanto a discuss?o jur?dica e legislativa prossegue em ?gua morna, as fus?es e incorpora?es v?o matando jornais em ritmo alucinante e reduzindo enormemente as fontes de informa??o ao alcance dos cidad?os. Em 1983, quando escreveu um livro sobre o encolhimento da imprensa independente no pa?s, o reitor da Berkeley Graduate School of Journalism, Ben Bagdikian, mostrou que a grande massa dos americanos se informava com base em not?cias produzidas e veiculadas por 50 companhias diferentes. Em 2004, na s?tima revis?o de seu livro, sobravam s? 6. - Viacom (dona da CBS, da MTV, da Infinity Radios, da Paramount Pictures, da Simon & Schuster, da Blockbuster, e outros); - Disney (dona da ABC, da ABC Radio Network, da ESPN, e de muito mais); - Time Warner (dona da CNN, da AOL, e mais); - General Electric (dona da NBC, da Universal, da Vivendi...); - News Corporation, de Murdoch (dona da Fox TV, da Harper Collins, do Weekly Standard, do New York Post, do London Times, da DirecTV, da Star e da Sky de TV por sat?lite na ?sia e na Inglaterra, associada ? Globo para explora??o de TV fechada no Brasil, etc.) - Comcast, a maior empresa de cabo dos EUA, que, recentemente, estudava uma fus?o com a Disney. O chamado Quarto Poder, essencial ao funcionamento das democracias, est?, portanto, gravemente amea?ado de se dissolver na gel?ia geral da corrida desenfreada atr?s do dinheiro. Os jornalistas, de quem antes se exigia um comportamento de fiscal do poder p?blico pautado pela ?tica, v?o se transformando em meros agentes de grandes conglomerados focados exclusivamente no enriquecimento de grupos de acionistas. E isso explica suficientemente a presente crise da imprensa, em torno da qual t?m sido constru?das tantas teorias ex?ticas, mas que parece ser, antes de tudo, uma crise de credibilidade. Afinal, como o p?blico pode levar a s?rio, para nos fixarmos na vers?o francesa desse fen?meno, um jornal "socialista" patrocinado pelo bar?o de Rothschild (o Lib?ration) e os seus dois concorrentes, o Figaro e o Monde, hoje propriedades de dois grupos econ?micos focados na ind?stria de armamentos? LI??ES BRASILEIRAS O resto do mundo ? mero aprendiz, em rela??o aos brasileiros, em mat?ria de concentra??o da propriedade da m?dia e, principalmente, de liga?es perigosas entre ela e o poder pol?tico. J? ultrapassamos longe esse est?gio, ali?s. No Brasil de hoje as duas coisas concretamente se confundem. O ponto de partida desse processo foi o golpe aplicado por representantes de velhas oligarquias que, prestes a serem banidas do cen?rio pol?tico pela redemocratiza??o do Pa?s ap?s o regime militar, se autopresentearam repetidoras das redes nacionais de TV. Iniciaram assim a constru??o de monop?lios regionais de opini?o e informa??o realimentados com verbas oficiais de propaganda de seus pr?prios governos, pela manipula??o dos quais esses "coron?is eletr?nicos" e seus cl?s se eternizam no poder. Contagem n?o muito recente mostrou que pol?ticos controlam diretamente 1/4 das emissoras comerciais de televis?o do Brasil: 60, de um total de 250. E esse n?mero se refere apenas aos canais que det?m concess?o governamental para gerar programa??o. A Rede Globo tem 21 afiliadas pertencentes a pol?ticos, o SBT tem 17, a Bandeirantes, 9. ? preciso somar a isso o resultado da multiplica??o em met?stase das redes de telecomunica?es sustentadas por "igrejas" das ?ltimas duas d?cadas. Foi-se o tempo em que as novas confiss?es nasciam antes; hoje, a partir de opera?es obscuras nas ?reas de concess?o e autoriza??o para transfer?ncias de canais, forma-se primeiro a rede de comunica?es e em cima dela cria-se a "confiss?o religiosa" que vai sustent?-la. Cada uma dessas "redes religiosas", assim que se consolida como potencial fabricante de candidaturas, acaba criando tamb?m o seu bra?o pol?tico e a sua bancada no Congresso. Esses dois mecanismos levam ? cria??o de m?fias pol?ticas virtualmente indestrut?veis. Nos mercados publicit?rios incipientes do Norte e do Nordeste do Pa?s, onde n?o circulam verbas suficientes para sustentar, de fato, mais do que umas poucas esta?es de r?dio, pululam as redes de r?dio e TV do esquema do "coronelismo eletr?nico" e das novas igrejas, que se auto-alimentam: elegem os governadores e prefeitos locais que anunciam preferencialissimamente apenas nos seus pr?prios meios de comunica??o, matando a concorr?ncia de inani??o. Calam, assim, todas as vozes dissonantes e se tornam donos do peda?o. A revers?o desse processo ? praticamente imposs?vel, pois a pol?tica de comunica?es do Pa?s ? definida entre os s?cios das empresas a ela sujeitas, detentores de mandatos legislativos. E impedir a concorr?ncia de se estabelecer, em vez de ampli?-la, tem sido sua preocupa??o primordial. Pelas normas por eles estabelecidas, propriet?rios de redes de TV aberta podem ser donos, tamb?m, dos sistemas de distribui??o de TV a cabo ou por sat?lite, e sem a obriga??o de carregar concorrentes, esc?ndalo proibido em todo o resto do planeta. Por enquanto, a pol?tica para TV fechada no Brasil, de exclusiva responsabilidade de quem det?m a outorga dos sistemas de carregamento (a Globo, agora associada ao grupo de Murdoch), ? de mant?-la cara para os consumidores, de modo a n?o dividir a audi?ncia hegem?nica que ela det?m na TV aberta, e inacess?vel para os canais de concorrentes. Os donos de todos esses privil?gios podem, igualmente, ser donos de jornais e r?dios nas mesmas pra?as que atingem com suas TVs e subsidiar-se mutuamente em pr?ticas que claramente caracterizam dumping, tanto nos pre?os que cobram pela publicidade uns dos outros, que todos veiculam, quanto nas possibilidades de m?dias cruzadas que podem oferecer aos anunciantes em detrimento dos concorrentes. ? demais pensar nesse tipo de padr?o no resto do mundo? ? poss?vel reverter o processo que avan?a nos Estados Unidos e em outros pa?ses do mundo? Tomara que seja. Mas isso s? poder? acontecer se a rea??o come?ar nos pr?prios Estados Unidos, a economia l?der do planeta que dita a velocidade em que todas as outras t?m de andar. Os Estados Unidos foram o pa?s que primeiro sentiu a necessidade de p?r limites ?s ambi?es desmedidas. A lei antitruste - o Sherman Act, da qual as leis de prote??o da diversidade de opini?o eram, talvez, a parte mais importante - ? de 1890. A opini?o p?blica norte-americana parece entorpecida pelo momento de crise que o pa?s atravessa, e desarmada pelo apelo patri?tico que tem servido, mais que para qualquer outra coisa, para "patrulhar" qualquer manifesta??o cr?tica aos atos do governo. Mas n?o h? nada que justifique que ela n?o se d? conta, mais cedo ou mais tarde, de que a amea?a encerrada na concentra??o da propriedade da m?dia ? muito maior, por exemplo, que a que pode vir das manobras monopolistas da Microsoft, que o povo dos Estados Unidos mant?m sob permanente guerrilha judicial. ? prov?vel, como antecipa Domenico De Masi, que a bandeira contestat?ria das pr?ximas gera?es venha a ser "o direito de desacelerar", que s? ser? obtido com o recuo dos limites para a competi??o econ?mica. Como se conseguir? isso dentro do atual modelo de democracias representativas mutiladas por sistemas de comunica??o viciados ? algo que ainda est? por ser demonstrado. * Jornalista, membro do Conselho de Administra??o de O Estado de S. Paulo. Texto extra?do de comunica??o apresentada, ter?a-feira, ao 6.? Congresso Internacional de Jornalismo de L?ngua Portuguesa, em Lisboa http://txt.estado.com.br/editorias/2005/01/16/ger005.html

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