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Editorial

A crise na citricultura

01 de agosto | 2014

Por: Flávio Viegas – Presidente da Associtrus

Segundo Michael Ignatieff, professor da Harvard Kennedy School, Joseph Stiglitz em artigopara o Roosevelt Institutefaz uma análise dos problemas dos recursos do Estado moderno, argumentandoque a crise do Estado liberal deve ser atribuída a três fenômenos entrelaçados: aumento da desigualdade de renda, poder do dinheiro na política e sistêmica evasão fiscal dos super-ricos e das corporações globalizadas.

À medida que a desigualdade aumenta, ela suprime a demanda efetiva. Sociedades desiguais acumulam riqueza na ponta superior, em vez de espalhar consumo e investimento por uma ampla classe média. Enquanto a desigualdade susta a demanda, corporações sentam sobre o dinheiro sem disposição de investir ou consumir. À medida que os ricos se tornam mais engenhosos na evasão fiscal, o custo de carregar o Estado recai em uma classe média forçada a arcar sozinha com o fardo. É a desigualdade que sufoca a demanda e mata o Estado liberal.

A crise vivida pela citricultura é fundamentada nos mesmos fenômenos que explicam a crise do Estado liberal. A desigualdade de renda, o poder do dinheiro na politica e a evasão fiscal dos ricos e das corporações afetam a citricultura e o mercado de sucos e recaem diretamente sobre os citricultores.

No Brasil esses fenômenos se manifestam de forma mais perversa. Embora os custos de produção estejam por volta de US$ 8 por caixa tanto em São Paulo como na Flórida, enquanto os produtores daqui recebem em torno de US$ 4 os citricultores de lá recebem US$ 14 por caixa de laranja. As processadoras compram e pagam preços diferenciados aos produtores que, a critério delas, devam permanecer no setor.

Mesmo os produtores que conseguem fazer contrato com as esmagadoras sofrem com as dificuldades em colher e entregar sua produção. Além de estarem sujeitos a um estrito controle na liberação da colheita, concorrem em desvantagem na contratação dos colhedores e transportadoras, pois, além de não receberem um programa de colheita e entrega,as indústrias, que dão prioridade ao recebimento da fruta própria, represam os caminhões dos demais fornecedores provocando interrupções na colheita e entrega da fruta, com impactos nas perdas de fruta e encarecimento da produção, da colheita e do transporte.

O resultado tem sido a redução dos pomares dos fornecedores e o aumento dos pomares vinculados à indústria. Este modelo, como temos denunciado, exclui os pequenos e médios produtores que internalizam e distribuem a renda pelas regiões produtoras e tem importantes impactos sociais e econômicos nas regiões citrícolas. A renda da indústria de suco praticamente triplicou nos últimos anos, enquanto os citricultores, endividados, continuam aperder renda e patrimônio.

A incapacidade do governo de evitar a cartelização, o subfaturamento das exportações e o aumento do poder de mercadodas esmagadoras torna urgente a renegociação das dívidas dos citricultores para evitar a inadimplência e a perda total de seu patrimônio. A diferença entre os preços registradosfob Santos e o valor da produçãocif Europa superam US$ 800 milhões por ano e a internalização deste valor cobriria os custos da renegociação das dívidas em apenas um ano.

O Consecitrus deverá ser incentivado para promover um ambiente saudável para o futuro da citricultura.

As distorções que observamos nos últimos vinte anos e que colocam em risco esta importante cadeia produtiva, estão sendo reproduzidas em outros setores do agronegócio, ameaçando a renda e o patrimônio dos produtores de outras cadeias produtivas.