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Área de plantação de cana duplicou nos últimos sete anos
16 de julho | 2007
O espaço que a cana-de-açúcar ocupa na região de Araraquara dobrou nos últimos sete anos, chegando a algo em torno de 480 mil hectares, entre áreas novas e em produção, segundo levantamento preliminar feito pelo Escritório de Desenvolvimento Regional (EDR) Agrícola de Araraquara, que pertence à Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI) da Secretaria da Agricultura e atende 16 municípios.
Muitas culturas típicas da região, como laranja, café e a pecuária, cederam espaço para a cana. Alguns reflexos deste avanço rápido e contínuo já são sentidos no varejo; é o caso do preço do leite, que subiu cerca de 50% nos últimos meses. Em um curto espaço de tempo, a tendência, segundo economistas, é o consumidor pagar mais caro também por outros alimentos básicos, como arroz, feijão e milho. “A elevação do preço do leite ocorre porque está faltando pasto no Estado. Onde tinha vaca hoje tem um mar de cana e isso acontecerá também com outras culturas”, avalia Paulo Cavasin, engenheiro agrônomo do EDR, que conversou com a Tribuna sobre a monocultura da cana, fato que ele considera uma ameaça.
Tribuna: Como a cana ganhou tanto espaço na região?
Paulo Cavasin: A cana-de-açúcar chegou em um momento oportuno para muitos produtores que estavam descapitalizados, por causa de uma crise que atingiu produções de laranja, café e também a pecuária, há cerca de dez anos. Sem dinheiro, muitos agricultores trocaram mesmo de cultura. Era o espaço que a cana precisava para invadir as áreas de forma agressiva.
Podemos dizer que, na região, a citricultura foi o primeiro setor a sentir os reflexos do avanço da cana nas suas terras?
A cana-de-açúcar vem tomando o espaço da laranja durante os últimos dez anos. Os custos elevados para a renovação dos pomares e, mais recentemente, as preocupações com doenças sérias, como a greening, ajudaram neste processo. Entretanto, nós não sentimos esta mudança tão forte no bolso porque não temos hábito de consumir a fruta como consumimos leite, por exemplo.
Qual a situação da pecuária local?
A perda dos produtores de leite para outros Estados foi muito drástica. A consequência é o aumento do preço, que não deve ter mudança até outubro, quando acontece a entrada das águas. A mistura de seca e falta de pastos é desastrosa. Isso é uma lei natural do mercado: até se estabilizar a oferta e a demanda, não haverá reversão no preço.
Como pode ser medida a lacuna que os produtores de leite deixaram na região?
O Estado perdeu grandes bacias leiteiras para a cana-de-açúcar. Os pecuaristas saíram de São Paulo e foram para outros Estados, como Goiás e Paraná. Quem perdeu foram os consumidores. Em São Carlos existiam grandes produtores, hoje são poucos. Em Dourado, na década de 60, eram produzidos mais de 60 mil litros de leite por dia. A partir da cana, isso foi diminuindo, passou para 12 mil litros por dia e hoje, se a produção chegar a mil litros por dia, já é muito. Todas as grandes fazendas de leite, sem exceção, que produziam cerca de 10 mil litros por dia, migraram para a cana.
E estes produtores se arrependem?
Não se arrependem porque são vários os fatores que levaram a esta troca. A falta de remuneração do produto e a falta de mão-de-obra especializada para trabalhar com o leite, por exemplo. O pessoal que trabalha com o leite normalmente trabalha fora de horário e isso tem um custo trabalhista elevado. Com a cana, o ganho pode ser até um pouco menor, mas não há compromissos trabalhistas, o dinheiro é livre. Existe toda uma estrutura que girava em torno do leite e a remuneração não era suficiente para suprir isso.
E as fazendas de leite eram em áreas propícias para canaviais?
Sim. A troca foi muito vantajosa para a cultura sucroalcooleira, porque a cana tomou o espaço de grandes pastos, terras planas, logisticamente bem posicionadas. Ninguém tira 10 mil litros de leite de uma “biboca”. Os pastos eram os melhores lugares da fazenda.
E as pessoas que trabalhavam com o leite?
Em cada fazenda trabalhavam muitas dezenas de pessoas. Esse pessoal migrou para o corte de cana ou foi para outras cidades.
E qual o impacto da cana na produção de café na região?
No café, a migração ainda acontece. Em 2005, por exemplo, eram 35 mil produtores no Estado; hoje, são 17 mil. E o café não está vantajoso economicamente, por isso, podemos prever que a cana ocupará ainda mais espaços desta cultura. Ficarão no mercado só os grandes produtores, os que estiverem capitalizados e com muito produto. Nenhum produtor pequeno consegue permanecer no mercado com a cana-de-açúcar crescendo do jeito que está.
Os assentados também sentem este impacto do crescimento da cana?
Nos assentamentos a cana já entrou como fonte de renda. Em Dobrada, por exemplo, muitos assentados já plantam cana e em Araraquara está acontecendo o mesmo. Estes agricultores estão praticamente no quintal das usinas e a cana é muito tentadora. Eles têm um espaço de terra relativamente pequeno para a cana-de-açúcar, mas a cultura dá menos trabalho do que a agricultura familiar. Aliás, a agricultura de subsistência vai perder a identidade.
O agricultor está perdendo a identidade?
Antes o agricultor tinha uma fazenda grande, com vários funcionários. Era uma empresa. Com a cana, o homem do campo ficou sozinho na fazenda. A cana não é uma cultura que a pessoa precisa ter vínculo com a terra.
Quais as conseqüências sociais da cana, na sua opinião?
O desemprego é a pior delas. Porque a cana está tomando conta da agricultura e, daqui a poucos anos, as usinas terão que estar adequadas aos padrões ambientais. Quase 100% do corte será mecanizado. Hoje, a região tem quase 40% de máquinas no campo e algo em torno de quatro mil trabalhadores. Esta situação vai se reverter e com certeza trará problemas para as cidades; estas pessoas terão que, de alguma maneira, serem recolocadas no mercado de trabalho.
Além do leite, poderá haver desabastecimento de outros produtos por conta da redução da área plantada?
Não acredito em desabastecimento, mas os preços podem ficar muito caros. Hoje, o Centro-Oeste inteiro produz a maioria dos produtos que nós consumimos; daqui a um tempo, teremos que importar alimentos de outros Estados, a exemplo do que já acontece também com a carne. Nesse caso, os produtores de São Paulo destinam boa parte da produção para o mercado externo.
É o preço que se paga pelo crescimento da cana?
É o preço da monocultura; álcool mais barato e os alimentos caros. O governo está apostando na cana como a redenção para a economia, mas na verdade não é. Já houve o império da borracha e do café para nos provar que isso não dá certo. A borracha foi instalada no lugar errado e isso fez a cultura cair. Mas a crise do império do café se aproxima mais da realidade da cana: o governo firmou toda a questão econômica da agricultura no café e uma quebra na Bolsa acabou com o sonho. Precisamos repensar este avanço estrondoso da cana-de-açúcar.
Fonte: Fernanda Manécolo – Tribuna Impressa de Araraquara