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Cade admite fracasso no combate a cartéis

11 de novembro | 2007

Para presidente do conselho, medida que permite a infratores fechar acordo para escapar de condenação pode resultar em “subpunições’

Em vigor há menos de três meses, mecanismo acaba estimulando conduta ilegal de empresas no mercado, afirma Elizabeth Farina

A mais nova arma do governo para combater a atuação de cartéis é insuficiente para coibir a prática e pode resultar em uma “subpunição” dos infratores, segundo avaliação da maior autoridade antitruste do país.
A presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), Elizabeth Farina, diz que para as empresas pode compensar formar um cartel, apurar altos lucros e depois negociar com o governo um acordo em que a pena é o pagamento de uma espécie de multa.
Em entrevista à Folha, Farina disse que 3 dos quase 20 setores sob investigação pelos órgãos de defesa da concorrência já negociam com o Cade a realização desses acordos, chamados de CCPs (Compromissos de Cessação de Prática).
Entre os principais investigados, estão gigantes nas áreas de cimento, frigoríficos, suco de laranja e gases industriais (veja quadro na pág. B9). Procurados pela Folha, os setores não quiseram se manifestar sobre os processos em andamento -o Cade não divulgou o nome de empresas específicas.
A previsão é que nos próximos 60 dias o primeiro dos três acordos em gestação seja levado ao plenário do Cade para ser julgado. Se os conselheiros aceitarem os termos, as empresas acusadas escapam da condenação por prática de cartel, pagam uma “contribuição pecuniária” e, dependendo do caso, não precisam nem sequer reconhecer culpa pela infração.
Há menos de três meses, as empresas ganharam a chance de propor ao Cade a realização de acordo para encerrar investigações por cartelização. O mecanismo está previsto em lei aprovada pelo Congresso neste ano e foi regulamentado pelo Cade no início de setembro.
Pelas novas regras, até o início da sessão de julgamento, os acusados em processos por conluio podem propor ao conselho um acordo. Desde 2000, os CCPs estavam proibidos para esse tipo de conduta.
O valor mínimo da multa nos acordos é de 1% do faturamento bruto anual da empresa. Mas não há limite máximo. Farina explica que a multa deve levar em conta o tamanho da empresa, a gravidade da situação, o dano causado ao mercado e o tempo de duração do cartel.
No acordo, ao escapar da condenação administrativa, os acusados ainda podem estar se livrando de um prejuízo maior, que são as condenações na esfera cível. Em países europeus e nos EUA, as indenizações contra os cartéis são milionárias. “Pode, pode sim [compensar fazer cartel e negociar acordo]. E é só o tempo que vai nos ensinar a fazer isso direitinho”, diz Farina. “A grande pergunta é: Será que estou subpunindo ou superpunindo? A conclusão é que estamos subpunindo.”
Ela afirma, porém, que a intenção da “contribuição pecuniária” é a de que o valor seja suficiente para servir como fator de inibição do cartel. “Se o conselho achar que não tem cominação suficiente para fazer isso, não aceita o acordo. O conselho é que decide se é oportuno e conveniente.”
No julgamento do cartel do setor de vigilância do Rio Grande do Sul, as empresas propuseram horas antes da sessão a realização de um CCP, mas o conselho desconsiderou a oferta. “Era um caso em que o processo estava totalmente instruído, com todos os pareceres pela condenação e com provas robustas. Era praticamente nula a probabilidade de o conselho entender que era conveniente e oportuno o acordo”, diz a presidente do Cade. O cartel foi condenado pelo órgão.
Pelas novas regras, os acordos com cartéis exigem ainda que as empresas promovam um programa de ajustamento de conduta, a ser monitorado pelo Cade. Nos casos em que o governo adota o programa de leniência -um participante do cartel delata o grupo-, exige-se que os demais integrantes reconheçam culpa pela prática na hora de fechar o CCP.

Ponta do lápis
Farina ainda afirma que hoje os custos para se formar um cartel aumentaram devido à possibilidade de condenações administrativa, penal e cível. “Mas não sabemos quanto conseguimos dissuadir. Isso a história vai dizer”, analisa, citando estudos acadêmicos internacionais que provam, na ponta do lápis, que vale a pena para as empresas praticar cartel.
Além de as multas arbitradas pelas autoridades antitruste mundiais serem muito inferiores aos lucros alcançados com o sobrepreço pelas empresas, esses estudos mostram que o Judiciário ainda posterga a aplicação das decisões dos órgãos de defesa da concorrência.
A tendência também pode ser vista no Brasil, onde a maioria absoluta das companhias punidas pelo Cade recorre à Justiça e obtém liminares evitando temporariamente o pagamento das multas.
Fonte:Folha de São Paulo


JULIANNA SOFIA
IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA