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É preciso coragem e inovação para mudar paradigmas do setor

18 de março | 2006

Desafios de coordenação na citricultura brasileira

Por Marcos Fava Neves e Marcos Sawaya Jank

Um dos setores mais competitivos e de maior potencial de crescimento do agronegócio é a citricultura. O Brasil detém 30% da produção mundial de laranja e 50% da de suco de laranja. São Paulo e Flórida dominam a oferta mundial, um caso raríssimo em se tratando de commodities agrícolas. O sistema agroindustrial citrícola movimenta R$ 9 bilhões por ano e gera mais de 400 mil empregos diretos e indiretos. Inovações em pesquisa, tecnologia e logística estão na base da eficiência e liderança do Brasil. Estamos exportando US$ 1,2 bilhão em suco de laranja, o que representa a impressionante fatia de 80% do mercado mundial, cujo consumo vai crescendo a uma taxa de 2% a 4% ao ano. Dois terços das exportações vão para a União Européia e 15% para os Estados Unidos, que voltaram a importar volumes expressivos depois dos últimos furacões. A Ásia tem grande potencial de aumento de consumo. Problemas climáticos na Flórida e doenças em geral fizeram com que os preços aumentassem mais de 40% em 2005.
No entanto, diversos problemas sistêmicos têm atingido o setor. O primeiro são os crescentes danos causados por velhas e novas enfermidades nos laranjais, sendo as principais o cancro cítrico, a CVC (amarelinho), a morte súbita dos citrus e o greening. O segundo problema são os conflitos entre os agentes ao longo do sistema produtivo. Em janeiro, a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça realizou a apreensão de documentos em cinco companhias importantes, sob a alegação de formação de cartel e manipulação de preços. O terceiro problema é o recrudescimento do protecionismo mundial. Em fevereiro, a Comissão Internacional de Comércio (ITC) dos EUA aprovou taxas antidumping contra quatro empresas brasileiras que, em alguns casos, remontam a 60% do preço do produto. Tais taxas serão cobradas durante três anos, por cima da já absurda tarifa de US$ 418 por tonelada (equivalente a 30% ad valorem) que incide sobre o suco brasileiro naquele país. Todo o processo de investigação foi marcado por um claro viés a favor da indústria americana.

Entendemos que a única solução duradoura para estes problemas está na melhoria do relacionamento e da capacidade de coordenação do setor. Curiosamente, o setor tem sido pródigo em desenvolver formas organizacionais alternativas. Cerca de 20% da laranja é vendida para consumo in natura e 80% para industrialização. Estima-se que as próprias indústrias produzam cerca de 20% da laranja nacional, 10% é processada por grupos de produtores via arrendamento industrial (“toll processing”), 30% são comercializados por meio de contratos de médio e longo prazos e outros 20% são vendidos no mercado spot. Portanto, é nos 20% a 30% do mercado spot que reside a maior parte da confusão e do ruído no relacionamento entre indústria e produtor. Há grande proliferação de novos formatos contratuais: preço fixo, preço mínimo com gatilhos baseados na variação do preço internacional, parcerias com empresas de insumos, pagamento via porcentagem de produção, financiamento via compra antecipada da fruta e outros. Cultura perene, implantação custosa, colheita e transporte difíceis e alta perecibilidade dos frutos são fatores que exigem o desenho de contratos complexos, ao contrário da soja e da pecuária de corte, onde o mercado spot resolve quase todos os problemas.

A crescente heterogeneidade de produtores e indústrias tem, lamentavelmente, gerado problemas de representatividade. Na produção, os níveis de investimento, custos e comprometimento dos citricultores são cada vez mais distintos. Enquanto alguns estão apenas esperando o melhor momento para abandonar a atividade (o crescimento da cana-de-açúcar está aí para provar isso), outros estão fazendo o possível e o impossível para evitar a entrada de pragas e doenças. Só que, infelizmente, a displicência de uns pode custar a cabeça de todos. É fundamental estabelecer regras rígidas de incentivo e punição na área fitossanitária e melhorar a capacidade de fiscalização e indenização. O governo precisa ser mais ágil e efetivo no seu papel regulador. O sucesso do combate a pragas e doenças depende de linhas de financiamento para erradicar pomares contaminados e de mandatos para fazer cumprir as regras rapidamente. O setor privado deve fortalecer o Fundecitrus (iniciativa que se tornou modelo no mundo) com financiamento amplo e transparente e representatividade de produtores e indústrias.

Orgulho do agronegócio nacional, o potencial do setor é extraordinário, principalmente com as dificuldades na Flórida

Na indústria, a saída de empresas da Abecitrus (associação que representa o setor no exterior), em 2005, demonstra um crescente questionamento sobre a empresa líder. A crise atual é uma oportunidade para mudanças comportamentais. A incontestável modernidade tecnológica da citricultura brasileira deve ser seguida por uma melhoria dos relacionamentos na cadeia produtiva de forma a reduzir conflitos e custos de transação com parcerias do tipo ganha-ganha. É hora de estudar seriamente a possibilidade de introduzir um modelo de “contrato padrão”, com regras mínimas e transparentes de auto-regulação a serem seguidas por indústrias e produtores. No fim dos anos 90, o Cade proibiu esse mecanismo na laranja. Há também uma oportunidade para rever os mecanismos de formação de preços, a exemplo da experiência da cana-de-açúcar (Consecana).

Não há dúvida que a produção própria da indústria e o mercado spot vão continuar existindo. Parece-nos, no entanto, muito mais racional para o setor trabalhar no aprimoramento de contratos de longo prazo que reduzam os comportamentos oportunistas e o risco da volatilidade dos preços ao produtor no mercado spot. A agenda do setor envolve temas como maior transparência dos preços internos (laranja-indústria) e externos (mercados dos EUA e Europa), a questão da compra por peso ou por sólidos solúveis, as ações para fortalecer a representatividade e o diálogo racional entre produtores e indústrias, a elaboração de estudos organizacionais e a coordenação sistêmica dos agentes para combater o protecionismo internacional.

Orgulho do agronegócio brasileiro pela tecnologia e liderança mundial absoluta, o potencial da citricultura brasileira é extraordinário, principalmente se considerarmos as crescentes dificuldades na Flórida (furacões, explosão imobiliária e doenças). O principal problema da citricultura é de natureza organizacional. É nesta área que mais precisamos de inovação e coragem para mudar paradigmas.

Marcos Fava Neves é professor de marketing e estratégia da FEA/USP (Ribeirão Preto) e coordenador do Pensa. E-mail: mfaneves@usp.br

Marcos Sawaya Jank é professor de economia e comércio internacional da FEA-USP (São Paulo) e presidente do Icone. E-mail: msjank@usp.br