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Ex-fabricante de suco de laranja revela ação de cartel
15 de março | 2010
Indústrias combinavam preços para comprar laranja e vender suco, diz empresário
Suposta prática de cartel é investigada pela Secretaria de Direito Econômico desde 2006, quando indústrias foram alvo de operação
FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Ex-empresário do setor de suco de laranja, Dino Tofini, 72, decidiu revelar como surgiu e como operava o cartel da indústria de suco de laranja do qual participou e que ajudou a montar no início da década de 90.
A suposta prática de cartel está sob investigação da SDE (Secretaria de Direito Econômico) desde 2006, quando os fabricantes de suco foram alvo da operação Fanta, feita por policias e técnicos da secretaria.
Ex-dono da CTM Citrus, Tofini afirma que ganhou muito dinheiro com a combinação de preços para a compra da laranja e também para a venda do suco no mercado internacional.
Acabou, porém, segundo diz, sendo vítima do próprio cartel. Após a venda da CTM e depois de sofrer um AVC (acidente vascular cerebral), Tofini se dedicou à produção de laranja em Araraquara (SP). A fruta era entregue à Cargill, por meio de contrato firmado nos anos 90.
A interrupção do contrato por conta de desentendimentos em relação ao preço da laranja levou Tofini a sair do negócio. Hoje, é plantador de cana-de-açúcar em uma área de 400 alqueires. Move uma ação contra a Cargill e pede indenização milionária.
“Já fui milionário. Hoje não sou mais, mas vou voltar a ser. Vou ganhar a ação contra a Cargill”, diz Tofini, que chegou a ser grande exportador de suco de laranja. Leia a entrevista.
FOLHA – Quem teve a ideia de formar e quando começou o cartel na indústria de suco de laranja?
DINO TOFINI – A ideia foi do José Luis Cutrale [sócio-proprietário da Cutrale] no início da década de 90. Ele chamou as indústrias do setor para fazer uma composição, com o objetivo de comprar a laranja por um preço mais acessível para a indústria. Era um negócio cruel.
FOLHA – Qual era o objetivo?
TOFINI – Era jogar todo o ônus possível do negócio para o agricultor, permitir a compra da matéria-prima em condições que o cartel determinasse. O problema foi tão sério que matou a citricultura paulista.
FOLHA – Quem participava das reuniões para tratar do cartel?
TOFINI – Só os donos das empresas ou os executivos mais importantes, os seniores.
FOLHA – Onde eram as reuniões?
TOFINI – Na Abecitrus, que era a associação do setor, e comandada por Ademerval Garcia. A capacidade de moagem dessas indústrias era três a quatro vezes maior do que a capacidade da safra brasileira. A Citrosuco sozinha era capaz de moer um terço da safra brasileira, de 300 milhões de caixas por ano. Era e ainda é um negócio gigante, de bilhões de dólares.
FOLHA – Como foi feito o acerto?
TOFINI – Nós nos reuníamos todas as quartas-feiras e aí decidíamos quem ia comprar de quem, de qual produtor. Cada indústria tinha o seu quintal. Dividimos o Estado de São Paulo em vários quintais e ninguém podia se meter no quintal do outro. O quintal da Cutrale era praticamente todo o Estado. A Citrovita ficava mais com a região de Matão. Nós, com a região de Limeira. O meu quintal tinha cerca de 250 a 300 citricultores. O combinado, na época, era pagar US$ 3,20 pela caixa de laranja (40,8 quilos).
FOLHA – Esse acerto de divisão de produtores era colocado no papel?
TOFINI – Não, era verbal. E quem não respeitava o quintal do vizinho sofria represálias.
“Quem não fazia acordo sofria represália”
Empresário que diz ter ajudado a formar cartel no setor da laranja nos anos 90 relata como fabricantes de suco agiram
Para Dino Tofini, que foi produtor de suco de laranja e hoje planta cana, punição é necessária porque “cartel permanece até hoje”
DA REPORTAGEM LOCAL
Dino Tofini, ex-dono da empresa CTM Citrus, afirma que os fabricantes de suco de laranja que quisessem sair ou não participar do suposto cartel da indústria de suco de laranja sofriam represálias das empresas maiores. A seguir, a continuação da entrevista concedida na semana passada. (FF e CR)
FOLHA – Qual era a represália feita a quem não quisesse participar do suposto cartel?
DINO TOFINI – Levantar o preço da fruta a níveis absurdos para que o empresário [indústria] não pudesse comprar a laranja.
FOLHA – O sr. concordou com essa prática na época?
TOFINI – Não só concordei como também trabalhei a favor, porque era muito interessante para mim como industrial.
FOLHA – Quanto o sr. ganhou com o suposto cartel no setor?
TOFINI – O que ganhei foi a disponibilidade de ter o produto. A minha empresa na época foi beneficiada, sim. Se eu não cumprisse o acordo, teria que brigar com o Cutrale, por exemplo. Eu oferecia um preço para o produtor, e ele oferecia mais, era uma guerra total.
FOLHA – O sr. acha que as indústrias que participaram do suposto cartel devem ser punidas?
TOFINI – É justo que elas sejam punidas. O cartel precisa acabar em benefício do Brasil, se é que ainda há tempo para isso.
FOLHA – O cartel existe até hoje?
TOFINI – O cartel permanece até hoje, não há dúvida. Não tem mais as tradicionais reuniões às quartas-feiras, mas eles se falam às quintas-feiras, às sextas-feiras. Eles se falam muito, o conceito do cartel se mantém vivo, já está incutido no sistema da indústria de suco.
FOLHA – Como o sr. sabe disso, já que não está mais no setor?
TOFINI – Depois que vendi a empresa, nós continuamos com a produção de laranja. Tínhamos contrato com a Cargill e foi interrompido justamente por discordar de preços que a empresa queria nos pagar. Tive de refazer contrato para vender a laranja por preço menor e engolir o prejuízo. Essa situação resultou em uma ação que movemos hoje contra a Cargill.
FOLHA – O suposto cartel também ocorria para definir preços para a venda do suco no exterior?
TOFINI – Sim, o cartel atuava tanto no mercado interno como no externo. A venda do suco lá fora era só para quem o cartel quisesse. Eles faturam horrores na Bolsa Mercantil de Nova York porque o cartel tem todas as informações. Quando o preço cai, eles retiram 800 mil toneladas de suco do mercado e os preços voltam a subir.
FOLHA – A SDE investiga o setor desde 2006, quando houve a operação Fanta [técnicos da SDE e policiais federais cumpriram mandado de busca e apreensão de documentos em indústrias de suco de laranja]. Há demora nas investigações?
TOFINI – Acho que as investigações estão caminhando tanto que os Cutrale já nem moram mais no Brasil.
FOLHA – As indústrias de suco têm “offshore” (empresa que funciona em paraíso fiscal) fora do Brasil?
TOFINI – Todos os fabricantes de suco têm “offshore” para administrar os recursos financeiros que sobram. Uma empresa não consegue trabalhar no mercado externo sem ter estrutura interna. Essas indústrias têm bilhões de dólares lá fora.
FOLHA – O Ministério Público de SP enviou documento ao Departamento de Justiça americano para que os EUA também investiguem as empresas que exportam suco para lá. Eles devem investigar o setor?
TOFINI – Devem e vão abrir uma auditoria, tenho certeza. E isso vai “embananar” todo o setor no país. O Brasil será punido.
Frases
A minha empresa na época foi beneficiada, sim. Se eu não cumprisse o acordo, teria que brigar com o Cutrale, por exemplo. Eu oferecia um preço para o produtor e ele oferecia mais
O cartel atuava tanto no mercado interno como no externo. A venda do suco lá fora era só para quem o cartel quisesse. Eles faturam horrores na Bolsa Mercantil de Nova York porque o cartel tem todas as informações
DINO TOFINI
Ex-produtor de suco de laranja e ex-integrante do suposto cartel
Frase
[O objetivo] Era jogar todo o ônus possível do negócio para o agricultor, permitir a compra da matéria-prima [a laranja] em condições que o cartel determinasse
DINO TOFINI
Ex-produtor de suco de laranja e ex-integrante do suposto cartel
Caso está sub judice, dizem empresas
DA REPORTAGEM LOCAL
As empresas Cutrale, Cargill e Citrovita informaram que as investigações que envolvem as indústrias de suco de laranja estão sub judice e que, por essa razão, não se pronunciariam sobre o assunto. Em outras ocasiões, essas empresas negaram a existência de cartel no setor.
A Cutrale informou que “não existe e nunca existiu qualquer cartel [no setor suco de laranja].”
A Cargill Agrícola informou que já prestou os esclarecimentos devidos às autoridades competentes e que “tem compromisso de respeito às leis do país e à legislação de defesa da concorrência”.
A reportagem da Folha não conseguiu localizar, até o fechamento desta edição, Ademerval Garcia, que presidiu a Abecitrus (Associação Brasileira de Exportadores de Cítricos) e foi citado pelo empresário e ex-produtor de suco de laranja Dino Tofini.
SDE obtém autorização para acessar documentos
DA REPORTAGEM LOCAL
A SDE (Secretaria de Direito Econômico) obteve autorização da Justiça no início deste mês para deslacrar o último malote de documentos apreendidos na operação Fanta, realizada em 2006, e, assim, dar continuidade às investigações de suspeita de prática de cartel na indústria de suco de laranja.
Os documentos, que devem ser deslacrados na próxima semana, pertencem à Citrovita, uma das investigadas. A SDE considera esse caso “prioritário” entre suas investigações.
Há anos, a indústria de suco é alvo de denúncias de práticas abusivas em relação aos produtores de laranja. Em 1999, a SDE instaurou processo administrativo para apurar denúncia de cartel feitas pela Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados.
As investigações identificaram indícios de prática de cartel por parte das indústrias de suco -que ocorria por meio da divisão de produtores para o fornecimento de laranja. Com base em depoimento de uma pessoa que diz ter participado do cartel em 2005, as evidências ficaram mais fortes, o que resultou na operação Fanta.
Em janeiro de 2006, a Justiça determinou o cumprimento de seis mandados de busca e apreensão pela PF e pela SDE, nos escritórios das empresas Coinbra-Frutesp (em São Paulo e Bebedouro), Sucocítrico Cutrale (Araraquara), Montecitrus (Monte Azul Paulista) e Citrovita (São José do Rio Preto), além da sede da associação dos exportadores de cítricos (Ribeirão Preto), e na casa de um ex-diretor de uma empresa.
Após as diligências de busca e apreensão, o material apreendido foi levado a Brasília, em malotes lacrados. Desde então, as empresas recorrem à Justiça para evitar que a SDE tenha acesso aos documentos, o que emperrou a investigação.
O Ministério Público do Estado de São Paulo também investiga a prática de cartel no setor e encaminhou ao Departamento de Justiça dos EUA em janeiro documento para informar sobre as investigações no Brasil. No texto, o MP afirma que, no Brasil, as investigações indicam que existiu e “ainda persiste” a prática de cartel por parte das indústrias de suco.
Essa prática, diz o texto, ocorre no preço pago pela fruta aos citricultores e na divisão de produtores entre as empresas. Para o MP, é do interesse dos EUA saber sobre a conduta dos fabricantes no Brasil, pois os americanos são importadores das empresas suspeitas.