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Funcionários pagam.

31 de janeiro | 2007

Para engordar suas receitas, deputados e senadores contratam empregados que têm de devolver parte dos vencimentos

Dona de trailer próximo à Câmara afirma que trabalha há quatro anos para um deputado e que devolvia parte do salário para ele
Sérgio Lima/Folha Imagem

Divina de Jesus, que trabalha em um trailer há dez anos, mas que recebia salários do gabinete do deputado Nelson Marquezelli

ADRIANO CEOLIN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Apesar da visibilidade de questões éticas, na esteira da sucessão de escândalos de maior ou menor impacto dos últimos anos, é possível encontrar todo tipo de pequenos desvios no cotidiano do Congresso.
Um dos mais comentados, e raramente documentado, é o chamado “pedágio”.
Para engordar suas receitas, deputados e senadores contratam funcionários que têm de devolver parte do salários.
Geralmente, o esquema é feito com pessoas de extrema confiança que aceitam ser utilizadas como “laranjas”, ou ainda com parentes.
Até a sexta-feira, o deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP) mantinha como sua secretária parlamentar Divina Vitalina de Jesus, 44, conhecida vendedora de “quentinhas” no prédio do Anexo 4 da Câmara.
Dona de um trailer que fica próximo ao estacionamento do local, Divina disse que produz marmitas (que custam R$ 6) para funcionários da Câmara há dez anos e que trabalha para o deputado há quatro.
Em entrevista gravada na última quinta-feira, por telefone, ela disse que devolvia parte do salário que recebia no gabinete de Marquezelli. “Ganho uns mil e pouco”, disse Divina. Questionada se devolve alguma parcela do que recebe, ela respondeu: “Devolvo R$ 820”.
Ela afirmou que entregava o dinheiro para a chefe-de-gabinete de Marquezelli, Burbara Zogbi. “ÿ porque eu entro às 14h. Eles pegam a verba para negócio da assistência social. Fazem lá para São Paulo.”
Oficialmente, Divina está lotada no gabinete de Marquezelli desde novembro. Antes ela havia sido nomeada para um cargo na segunda-secretaria da Mesa Diretora da Câmara, comandada pelo deputado petebista Nilton Capixaba (RO).
Ao ser questionada especificamente sobre essa nomeação, Divina disse, na sexta-feira, que não sabia que havia sido lotada na segunda-secretaria.
Pediu ainda que a reportagem verificasse a informação com a chefe-de-gabinete de Marquezelli.
“Não, nunca trabalhei não [para a segunda-secretaria]. Tem que ver lá do gabinete da Burbara”, disse Divina. Ela também resolveu mudar a versão que havia dado na primeira entrevista, na quinta-feira.
“Não devolvi dinheiro nenhum”, disse a vendedora de “quentinhas”. Ela tem dois filhos e afirma que mantém o trailer com dificuldades. No local, não há água nem luz, mas tem de pagar “contribuição” a um sindicato da categoria.

Falta de provas
Procurada pela reportagem, a chefe-de-gabinete de Marquezeli duvida que Divina tenha provas de que devolveu o dinheiro. De fato, é raro quando um ex-funcionário de gabinete denuncia a prática do pedágio, pois não consegue provas e teme represálias.
No final de 2005, Álvaro Luiz Quadros Vieira, 37, resolveu denunciar o ex-patrão, o deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS), ao procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza. Vieira afirmou que ele sua esposa, Raquel Ferreira de Souza, trabalhavam no gabinete de Pompeo, mas ela tinha de devolver o salário inteiro.
O ex-funcionário entregou ao procurador comprovantes de depósitos na conta de Marinês Veiga de Mattos, chefe-de-gabinete e ex-cunhada de Pompeo de Mattos. O caso corre hoje sob segredo de Justiça.
No ano passado, o senador Geraldo Mesquita Júnior (PMDB-AC) sofreu denúncia parecida e viu-se obrigado a deixar o PSOL, legenda em que havia acabado de ingressar.

Parentes e suplentes

Para evitar esse tipo de problema, deputados preferem contratar parentes ou pessoas da mesma família. Isso não significa necessariamente que todos pratiquem o pedágio.
No último mês, até mesmo os suplentes que assumiram resolveram contratar pessoas da mesma família. ÿ o caso do deputado Lavoiser Maia (PSB-RN). Ele ficou com o lugar de Iberê Ferreira (PSB-RN) e nomeou uma família completa que diz trabalhar para ele no Rio Grande do Norte.
O chefe da família é José Joacildo Mendonça, casado com Ednéia Marques de Mendonça. Eles são pais de Joanéia e Jocileia. Em conversa pelo telefone, Joacildo nem sequer sabia que havia nomeado na Câmara. “Já trabalhei para o deputado como prestador de serviço”, disse. “Ué, eu só entreguei uns documentos para o deputado. Não sabia que estava nomeado.”
O deputado Pedro Pedrossian (PP-MS), que assumiu a vaga que pertencia a Murilo Zauith (PP-MS), contratou pessoas das famílias “Ferreira” e “Perotto”, ambas de Mato Grosso do Sul.
Luiz Perotto e Adelucia são dois dos contratados.
“Ela [Adelucia] é minha ex-mulher. Nós sempre trabalhamos para o Murilo Zauith e ficamos com o Pedrossian”, justificou Luiz Perotto.
O deputado Josias Gomes da Silva (PT-BA) não conseguiu ser eleito em outubro passado.
Acusado de envolvimento no esquema do mensalão, ele foi absolvido no plenário da Câmara, mas não se reelegeu.
No fim do ano passado, porém, Josias resolveu nomear o irmão, Joel Gomes da Silva, como secretário parlamentar.
“Sim, ele é meu irmão e trabalha comigo”, disse o parlamentar, de forma ríspida.
O deputado João Castelo (PSDB-MA) também não voltará à Câmara na próxima legislatura, mas garantiu o emprego do filho por mais um mês.
Ele saiu derrotado na disputa pelo Senado. Nomeado diretor-presidente da Empresa Maranhense de Administração Portuária pelo governador Jackson Lago (PDT), Castelo renunciou ao resto do seu mandato no começo deste ano.
Em seu lugar, assumiu Luiz Rocha (PSDB-MA), que nomeou como assessor João Castelo Gonçalves Filho, primogênito do ex-deputado João Castelo. “Sim, é filho dele. Eu o mantive no gabinete porque o Castelo me pediu”, disse Rocha.
Filho do ex-governador maranhense Luiz Alves Coelho Rocha, o tucano também pôde fazer nomeações próprias.
Ele afirmou, por exemplo, que é responsável pelas contratações de Adria Coelho Rocha e Carlito Coelho.
“Eles têm o sobrenome “Coelho”, mas não são meus parentes”, disse Rocha Filho.
Outro casal contratado por ele foi Carlos Evandro e Maria de Lourdes Cavalcante.
“São marido e mulher. Ela trabalha em Brasília e ele, em São Luís”, contou o deputado.