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Incômodo digital na fazenda

09 de outubro | 2014

Publicado: 07/10/2014

The Economist

Tecnologia nova e promissora traz desconfiança a gestores nos segmentos mais tradicionais

Inovação é uma palavra que lembra startups pequenas e ágeis fazendo coisas inteligentes, com tecnologia de ponta. Mas ela também é vital em setores grandes e há muito estabelecidos — e não existe muita coisa que seja mais velha ou maior do que a agricultura. Os fazendeiros podem estar entre os gestores mais inflexíveis, então não é surpreendente que estejam apreensivos com uma nova ideia, conhecida como sistema de plantação prescritivo, que deve perturbar o seu jeito de fazer negócios.

Em essência, é um sistema que os informa com bastante precisão sobre quais sementes plantar e como cultivá-las em cada pedaço de solo. Pode ser a maior mudança na agricultura nos países ricos desde as lavouras geneticamente modificadas. E ele está se provando ser quase tão controverso, pois levanta questões profundas sobre quem é proprietário da informação na qual o serviço se baseia. Também faz a imersão dos fazendeiros mais antiquadosem um mundo desconhecido: o da expressão big data e das batalhas sobre privacidade.

O sistema de plantação prescritivo da Monsanto, o FieldScripts, foi testado pela primeira vez no ano passado e agora está à venda em quatro estados americanos. Sua história tem início em 2006, com uma startup do Vale do Silício, a Climate Corporation. Montada por dois ex-funcionários do Google, a empresa utilizou sensoriamento remoto e outras técnicas cartográficas para mapear todas as lavouras dos EUA (as 25 milhões delas) e aplicar sobre elas a totalidadedas informações climáticas que pudesse encontrar. Até 2010, sua base de dados continha 150 bilhões de observações sobre o solo e 10 trilhões de pontos de simulação de clima.

A Climate Corporation planejava utilizar tais dados para vender seguros de safras. Mas, em outubro do ano passado, a Monsanto comprou a companhia por cerca de um bilhão de dólares – uma das maiores aquisições de uma empresa de dados já vista. A Monsanto, principal produtora de sementes híbridas do mundo, tem uma biblioteca de centenas de milhares de sementes e terabytes de dados sobre seus rendimentos. Ao acrescentá-los à base de dados de solo e clima da Climate Corporation, produziu um mapa dos EUA que informa qual semente cresce em qual lavoura e em quais condições.

O FieldScripts usa todos esses dados para guiar máquinas feitas pela Precision Planting, uma empresa comprada pela Monsanto em 2012 e que faz semeadoras e outros equipamentos puxados por tratores. As plantadeiras mudaram radicalmente desde o tempo em que eram simples caixas que empurravam sementes no solo, em intervalos fixos. Hoje, algumas andam sozinhas, guiadas por GPS. As da Monsanto, carregadas de dados, podem plantar uma lavoura com diferentes variedades, em profundidades e espaçamentos distintos, variando tudo isso de acordo com o clima. É como se um agricultor pudesse, agora, conhecer cada uma das suas plantas pelo nome.

O sistema de plantação prescritivo está pegando rápido. Em novembro do ano passado, outra produtora de sementes, a Du Pont Pioneer, uniu-se a uma fabricante de maquinário agrícola, a John Deere, para pedir conselhos sobre sementes e fertilizantes para fazendeiros no campo. Uma cooperativa de suprimentos agrícolas, a Land O’Lakes, comprou em dezembro de 2013a Geosys, uma empresa deimagens por satélite, para ampliar seu negócio de dados agrícolas.

Os benefícios são claros. Agricultores que testaram o sistema da Monsanto afirmam que ele aumentou os rendimentosem praticamente 5% em dois anos, um feito que nenhuma outra intervenção sozinha conseguiu bater.As empresas de sementes acreditam que fornecer mais dados aos agricultores pode aumentar os rendimentos com o milho nos EUA: de 160 bushels por acre (10 toneladas por hectare) para 200 bushels– permitindo uma melhora impressionante nas pequenas margens de quem o cultiva.

Mas a história do sistema de plantação prescritiva também éuma fábula sobre os conflitos que surgem quando empreendedores de dados encontram homens antiquados nos negócios. Pode-se esperar que os fazendeiros tenham sentimentos conflitantes sobre a tecnologia: apesar de melhorarrendimentos, ela reduz a função do discernimento e experiência na agricultura — ou seja, a principal competência desses agricultores. Mas o maior problema é que os fazendeiros desconfiam das empresas vendendo esse novo método. Eles temem que o fluxo detalhado de dados fornecidos sobre as suas colheitas possa ser mal utilizado.

Seus segredos comerciais podem ser vendidos ou vazar para fazendeiros rivais. As empresas de sistemas de plantação prescritivos podem até utilizar os dados para comprar fazendas com resultados abaixo do esperado e administrá-las, competindo com os agricultores. Ou as companhias podem usar os dados altamente sensíveis sobre as colheitas para negociar nos mercados de commodities, em detrimento aos agricultores que vendem em tais mercados.

Olhando para os dentes do cavalo dado

Em resposta a tais preocupações, o American Farm Bureau, a maior organização de agricultores dos EUA, está criando um código de conduta, instruindoque os fazendeiros são proprietários e controladores de seus dados, que as empresas não podem usar a informação – exceto para o propósito previsto – e que não devem vendê-la ou fornecê-la a terceiros. As empresas concordam com esses princípios, apesar de, até agora, seus contratos com fazendeiros nem sempre os incluírem. Além disso, uma vez que os dados tenham sido enviados e tornados anônimos, pode-se considerar que não sejam mais de propriedade dosagricultores, então não fica claro quais direitos eles ainda têm sobre tais informações. Por esse e outros motivos, alguns fazendeiros do Texas uniram-se para formar uma cooperativa, a Grower Information Services Co-operative, para negociar com os fornecedores.

Outra preocupação é que, como as empresas ainda não tornaram os dados totalmente “portáteis”, os fazendeiros podem ficar fadados a fazer negócios com um único fornecedor. Para amenizar todas essas inquietações, a Climate Corporation criou um serviço gratuito de armazenamento de informações para fazendeiros e elas não podem ser acessadas por terceiros sem a permissão deles. Novas empresas de gerenciamento de informações de nicho estão entrando no mercado, o que deve ajudar a torná-lo mais competitivo.

Mas, por enquanto, as grandes empresas dominarão o sistema de plantação prescritivo. Elas coletam os dados mais completos e fazem melhor uso deles do que ninguém. E isso também levanta um problema que afeta o big data em todas as suas formas. O sistema de plantação prescritivopode melhorar os rendimentos em todos os lugares, da mesma forma que tornar anônimos os históricos médicos de pacientes pode melhorar o atendimento em saúde. Mas seu sucesso depende de prestadores de serviços convencendo usuários (fazendeiros ou pacientes) a confiarem neles. Se os usuários acham que estão assumindo uma parcela desproporcional do risco, enquanto as empresas estão recebendo uma grande parte dos benefícios, a confiança continuará em falta no mercado.

Fonte: globalconnections.hsbc.com