Notícias

Últimas Notícias

Inflação, cartéis e defesa da concorrência

28 de setembro | 2007

Por Jorge Fagundes


A manutenção de uma política monetária adequada, aliada à valorização cambial e ao aumento da competição global, tem produzido efeitos benéficos sobre a taxa de inflação no Brasil. Em particular, vários setores da economia nacional estão hoje sujeitos à competição de produtos importados – aqueles que produzem os chamados bens tradables -, fato que inibe a capacidade de as empresas elevarem seus preços.


No entanto, existem setores que, por razões estruturais, tal como importância da marca e de uma rede de distribuição capilarizada para a determinação da competitividade das empresas, são pouco afetados pela concorrência internacional. Nesses casos, é a competição doméstica o principal fator que determina a capacidade de as firmas reajustarem seus preços ao longo do tempo. Quando tais setores são oligopolizados ou marcados pela presença de cartéis, surge o risco de que os preços sejam mais rígidos, aumentando-se o custo social associado às políticas de redução da inflação.


Deve-se notar, no entanto, que cartéis não devem ser confundidos com oligopólios. A colusão explícita ou cartel ocorre quando firmas concorrentes em um determinado setor acordam entre si políticas comerciais comuns, tais como preços uniformes, descontos padronizados ou a manutenção de seus preços relativos, eliminando a competição pré-existente. Já a colusão tácita não envolve um acordo formal, mas decorre simplesmente da excessiva concentração do mercado, em que poucas empresas controlam uma parcela expressiva das vendas de uma indústria. Nestas situações, o reduzido número de competidores permite que as empresas optem por estratégias de não rivalidade, a partir de reconhecimento de que não competir implica lucros maiores para todos os agentes da indústria, sem que haja a necessidade de acordos formais.


Ambos os casos, entretanto, são nocivos para a sociedade, não somente por implicarem transferência de renda dos consumidores para os produtores e ineficiências microeconômicas, mas também, no plano macroeconômico, por ampliarem os efeitos de choques de oferta e demanda sobre o nível de preços e aumentarem a resistência da inflação à política monetária. Por outro lado, enquanto que os cartéis são sempre nocivos para o bem-estar social, os oligopólios também podem gerar eficiências sociais dinâmicas, na medida em que são, em alguns casos, mais capazes de lançar novos produtos ou processos de produção ao longo do tempo.


A ira do governo é contra os oligopólios, acusados de conspirarem contra os interesses nacionais e formarem cartéis


Na América Latina e no Brasil, a partir da concepção de que o sistema econômico opera de modo voluntarista, em que as decisões privadas das empresas são tomadas, de “boa vontade”, a partir dos desejos manifestos do governo, é comum o surgimento de um discurso em que autoridades públicas do Poder Executivo expressam sua indignação com os níveis ou incrementos de preços em alguns setores da economia nacional, conclamando os empresários a reduzir preços e margens de lucro, supostamente “exorbitantes”. Em geral, a ira do governo – e de uma parcela da sociedade civil – se volta contra os oligopólios, acusados, então, de conspirarem contra os interesses nacionais, inclusive por formarem cartéis.


Embora correto na identificação de possíveis efeitos negativos derivados da existência de oligopólios e cartéis, o lado equivocado desse tipo de discurso encontra-se na suposição de que as empresas mudarão suas estratégias a partir de pedidos e ameaças do governo, com a possível “coordenação” das decisões empresariais a partir, por exemplo, da criação de câmaras setoriais. Tais instrumentos já foram empregados sem sucesso no passado, gerando graves efeitos colaterais, como, paradoxalmente, a própria cartelização de vários setores da economia brasileira. Da mesma forma, fusões e aquisições horizontais, muitas vezes incentivadas pelo próprio governo, podem gerar maior concentração de mercado, reduzindo a competição e favorecendo a emergência de conluio tácito entre concorrentes ou viabilizando a formação de cartéis, ambos lesivos aos interesses da sociedade como um todo.


 


 A solução eficiente para os eventuais problemas associados à existência de oligopólios está no uso dos instrumentos à disposição da política de defesa da concorrência. Com efeito, a legislação antitruste nacional, a exemplo do que ocorre na maior parte dos países desenvolvidos, exige que o Cade proíba as fusões e aquisições que impliquem a redução da competição, viabilizando o surgimento de conluio tácito ou explícito entre concorrentes, sem, no entanto, desconsiderar as eventuais eficiências dinâmicas que podem ser viabilizadas por oligopólios.


Da mesma forma, os cartéis podem – e devem – ser duramente combatidos pelo emprego das política antitruste. Seguindo os padrões internacionais, a legislação antitruste brasileira permite que a política de defesa da concorrência nacional, reprima, por meio da imposição de multas que variam entre 1% a 30% do faturamento das empresas, acordos explícitos entre concorrentes (cartéis). Além do mais, a formação de cartel é crime, sendo os dirigentes das empresas sujeitos à sanções penais.


A existência de políticas de defesa da concorrência e de órgãos fortes, independentes e tecnicamente capazes responsáveis pela sua implementação, é fundamental, portanto, para a promoção de um ambiente de mercado que iniba elevações abusivas de preços, estimulando o crescimento e a redistribuição de renda. Trata-se de uma política de Estado que disciplina as forças de mercado, canalizando-as na direção dos interesses da sociedade, a saber, preços competitivos, redução de custos e geração de inovações que beneficiem a coletividade como um todo.


Jorge Fagundes é doutor em economia pelo IE/UFRJ e professor do curso de Direito Regulatório da FGV/RJ. E-mail: jfag@unisys.com.br