Notícias

Últimas Notícias

Justiça lenta e penas leves facilitam ação dos cartéis

31 de outubro | 2007

Juliano Basile
29/10/2007
 







As punições por cartel são leves no Brasil e as empresas investigadas possuem todos os incentivos para recorrer ao Poder Judiciário e evitar a aplicação das condenações. A avaliação é do professor da Universidade Purdue, nos Estados Unidos, John Connor.







Em pesquisa que será apresentada hoje em seminário na sede do Ibmec São Paulo, na capital paulista. Connor analisou 1.027 casos de cartel registrados em todo o mundo em 343 diferentes setores da economia. O estudo revela que, a partir de 1991, em 70% dos casos os cartéis são internacionais. Como a Justiça brasileira tem sido chamada constantemente a rever as condenações do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) contra cartéis, o risco é que multinacionais sofram punições mais rápidas no resto do mundo do que no Brasil.







“Em alguns casos, a multa de 30% do faturamento (a mais alta prevista na lei brasileira) é muito baixa para deter a fixação de preços”, disse Connor, em entrevista concedida por e-mail ao Valor. “A minha pesquisa mostra que o controle de cartéis é mais efetivo em países que possuem uma aplicação da lei mais agressiva, com punições mais altas.”







Connor calculou que os cartéis internacionais são responsáveis por aumentos de preços entre 50% a 80% mais altos do que os cartéis domésticos. “Os cartéis internacionais duram mais, fazem mais vendas por ano e aumentam os preços em níveis maiores do que os cartéis domésticos.” O resultado, conta o professor, é que os cartéis internacionais geram mais prejuízos à economia do que os domésticos. “Eles são, simplesmente, um tipo de roubo em massa feito por criminosos de ‘colarinho branco’.”







Connor defende que os órgãos antitruste definam suas prioridades entre o julgamento de fusões e aquisições ou a investigação de cartéis. Ele reconhece que o número de fusões e aquisições realizadas por grandes companhias aumentou nos últimos dez anos, trazendo um novo desafio às autoridades de defesa da concorrência, mas alerta que este crescimento no mundo dos negócios não se deu de forma “tão rápida quanto o crescimento de cartéis”.







Nos Estados Unidos, o percentual de empresas estrangeiras que faziam acordos de preços cresceu de zero, antes de 1995, para mais de 50% nos últimos dez anos, constatou o professor. Segundo ele, houve um primeiro “boom” de cartéis internacionais entre 1920 e 1946. Neste período, 80% dos cartéis e acordos de preços eram internacionais. Já entre 1946 e 1991, o percentual caiu para 30%. A partir dos anos 90, houve uma nova guinada na coordenação de preços por grandes companhias em dimensões internacionais e o percentual subiu para 70%.







“Posso dizer que a minha pesquisa confirma que o número de cartéis descobertos está crescendo no Brasil e na maioria dos países”, constatou Connor. “Definitivamente, somos testemunhas do renascimento dos cartéis internacionais. É um fenômeno presente em toda a parte no mundo dos negócios.”







Ao eleger os cartéis como prioridade, Connor acredita que o Cade adquiriu um papel essencial na proteção dos consumidores. Primeiro, porque o Cade possui meios de descobrir a existência dessas “conspirações secretas”. O órgão antitruste pode se beneficiar de programas de redução de pena às empresas que confessarem a participação num cartel.







Em segundo lugar, Connor ressalta que as autoridades antitruste do Brasil podem demonstrar aos juízes que as provas de fixação de preços, como documentos secretos, testemunhas, atas de reuniões e gravações de integrantes dos cartéis, são fortes e, com isso, confirmar a condenação na Justiça.







Em terceiro lugar, continua o professor, o Cade pode mostrar o potencial lesivo de quem viola as leis de concorrência. “Mais do que achar um culpado, isto irá levar a punições a muitas empresas que fazem acordos para a fixação de preços. Elas irão notar que o custo dessa prática é muito alto.”







Na avaliação do especialista, o Brasil ainda padece de falhas neste processo. “A lei brasileira possui aspectos muito bons, mas a divisão entre três órgãos (o Cade e as secretarias de Direito e de Acompanhamento Econômico) não promove eficiência.” O fato de o Judiciário poder suspender por meio de liminares as condenações por cartel também incentiva as empresas a apostar na morosidade da Justiça. Como qualquer juiz brasileiro pode rever as decisões do Cade e das secretarias, as empresas investigadas por cartel preferem manter as suas práticas ilegais o quanto for possível, antes de pagar multas para o governo.







Connor soube que, no Brasil, muitos casos de cartel estão sob julgamento por períodos extraordinariamente longos. A primeira condenação do Cade por cartel – em 1999 – envolveu a fixação dos preços do aço, mas, as empresas condenadas pelo Cade (CSN, Usiminas e Cosipa) recorreram à Justiça e até hoje não pagaram as multas.







No plano dos cartéis internacionais, o Cade condenou, em abril deste ano, o cartel das vitaminas: a acusação de fixação de preços e condições de venda das vitaminas A, B2, B5, C e E, envolvendo a Roche, a Basf e a Aventis. As empresas já haviam sido condenadas em 1999 nos Estados Unidos. A instrução do processo no Brasil demorou anos e só agora elas foram punidas aqui por fatos que aconteceram entre 1995 e 1998. As empresas ainda podem recorrer à Justiça brasileira contra essa decisão do Cade.







“Os culpados em casos antitruste geralmente possuem incentivos econômicos para atrasar a conclusão dos julgamentos”, disse Connor. Para ele, há uma solução simples: dar ao Judiciário o poder de impor penalidades antes mesmo da conclusão dos julgamentos. “Isso tira o incentivo de quem recorre. Muitos países adotaram esta solução.”