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Legislação & Tributos
27 de dezembro | 2006
A imprensa deu amplo destaque à forma como a qual o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), através da Secretaria de Direito Econômico (SDE), abriu a possibilidade das empresas produtoras de suco de laranja porem termo à investigação por formação de cartel por alegada conduta de divisão do mercado e fixação conjunta dos preços de compra da fruta in natura em relação aos produtores. De acordo com os termos fixados pela SDE e acordados pelas empresas, estas pagariam uma indenização de R$ 100 milhões, dos quais 85% seriam destinados a projetos de pesquisa tecnológica e de desenvolvimento da produção de laranja, por meio de um fundo de defesa da citricultura, e os 15% restantes seriam destinados a outros fundos de pesquisa e desenvolvimento do setor, ainda a serem definidos.
A matéria acabou não sendo aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), basicamente porque a Lei nº 8.884, de 1994, alterada no ano 2000, impede a existência desse tipo de compromisso na investigação de formação de cartéis e de outras práticas que envolvem atitudes concertadas entre concorrentes (como divisão de mercados, conduta comercial uniforme, combinação prévia de preços ou vantagens em licitações públicas). Mas certamente poderá ser aplicado nos demais casos, nos termos previstos pela própria lei.
Não cabe nesse espaço discutir o mérito da investigação acima, até porque, até que ela chegue a um resultado final, deverá prevalecer o princípio da presunção de inocência. O que, em verdade, chamou a atenção no episódio foi o modo inovador com o qual o poder público passou a lidar com o acordo de cessação de prática anticoncorrencial (CCP), subordinando a suspensão do processo de investigação ao pagamento de valores de natureza indenizatória. Valendo-se o acordo de cessação de prática anticoncorrencial como um instrumento cuja natureza se assemelha ao instituto civil da transação entre partes, não é de se estranhar a possibilidade de o poder público impor esse tipo de condicionamento aos investigados que, em contrapartida, não correrão o risco patrimonial e de dano à sua imagem em uma eventual condenação por ilícito anticoncorrencial.
Analisando um pouco mais a fundo, a postura adotada no âmbito do SBDC pode impor modificações de comportamento estratégico de agentes econômicos que venham a adotar condutas contrárias à concorrência. Se analisarmos o comportamento de empresas com base na teoria dos jogos em relação aos compromissos de cessação de prática (exercício este já feito por alguns doutrinadores), é possível concluir que o resultado líquido de uma conduta anticoncorrencial, ainda que investigada, pode ser benéfica somente ao infrator ao celebrar o referido compromisso, se a medida administrativa não representar nada além do que o fim da prática.
O infrator pode considerar que valerá a pena praticar determinada conduta anticoncorrencial dentro de um contexto a curto, médio ou longo prazo, ainda que por um rápido período, mesmo tendo que cessá-la momentos depois em virtude do compromisso de cessação, pois seu resultado líquido em relação aos concorrentes e mesmo em relação aos consumidores lhe será positivo. Parafraseando os termos utilizados na teoria dos jogos, a matriz de recompensas (“pay-offs”) do jogo que executa em relação ao poder público pode lhe permitir entender que valerá correr o risco.
Uma postura mais agressiva da SDE em exigir a constituição de um fundo de caráter indenizatório como condição para formalizar o instrumento de cessação de prática certamente implica em uma mudança da matriz de recompensas e automaticamente leva o agente a repensar sua estratégia de adoção (ou não) de uma conduta ilícita, pois aumentam os riscos do resultado final da estratégia lhe ser prejudicial.
Não pretendemos que esse exercício seja refletido apenas em teoria. Em outras palavras, entendemos que a SDE, ao ser mais rígida em relação à celebração de um acordo de cessação de prática anticoncorrencial, ajustou de forma indireta esse mecanismo previsto em lei, o que poderá servir de inibidor à adoção de eventuais condutas prejudiciais ao mercado e à própria sociedade. Ademais, essa foi também mais uma demonstração de como o SBDC está com esforços direcionados e vem se fortalecendo cada vez mais no controle de condutas em comparação ao controle de estruturas.
Esperamos, no entanto que, a partir de agora, a SDE não adote essa postura de maneira automática. Pois, se utilizado o critério de forma irrestrita, poderá limitar ou diminuir consideravelmente as hipóteses de celebração desse tipo de transação e assim ir contra um dos principais objetivos da política antitruste, que é o de convocar os agentes econômicos a exercerem uma ação positiva em relação ao mercado e não simplesmente reprimir suas ações abusivas. Cautela na adoção do mecanismo e na exigência pecuniária para seu fechamento é a palavra-chave para que o instituto não venha a ser prejudicado na sua razão de ser.
Paulo Brancher é advogado, sócio do escritório Barretto Ferreira, Kujawski, Brancher e Gonçalves Sociedade de Advogados (BKBG) e professor de direito internacional da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.