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MP aprovada na surdina beneficia Cartéis!

07 de junho | 2007

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) do Ministério da Justiça poderá, a partir de agora, fechar acordos com empresas para encerrar investigações de cartel. Pelos acordos, as empresas pagam multas milionárias e, com isso, ficam livres das investigações. A possibilidade de o Cade negociar com as empresas está prevista na Lei 11.482, aprovada no dia 29 de maio pelo Congresso e sancionada no dia 31 pelo presidente Lula.

Era, na verdade, a conversão da Medida Provisória nº 340, que tratava de alterações na tabela do Imposto de Renda da pessoa física e da redução a zero da alíquota da CPMF em casos específicos. Mas o governo acrescentou ao texto da MP um artigo alterando a legislação de defesa da concorrência para permitir acordos entre o Cade e empresas suspeitas de cartel.

A nova lei deverá revolucionar a defesa da concorrência no Brasil. Hoje, há 350 investigações de cartéis na Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça. São processos que demoram no mínimo dois anos para serem julgados pelo Cade e, depois, ainda sofrem a contestação das empresas no Judiciário, o que pode durar mais de uma década.

A partir da lei 11.482, porém, as empresas desses setores poderão procurar as autoridades para encerrar o processo imediatamente e, com isso, evitar o desgaste de serem processadas por anos pelas autoridades de defesa da concorrência do Brasil. “Para nós, essa legislação é um divisor de águas”, disse Ana Paula Martinez, diretora do Departamento de Proteção e Defesa Econômica (DPDE), órgão responsável por processos antitruste na SDE. Ela explicou que pode parecer contraditório o governo assinar acordos com empresas suspeitas de infrações. Mas existem vários incentivos para esse tipo de acordo, como: obter a punição imediata das empresas, encerrar a prática de cartel e concluir processos que demoram até dez anos para terem um desfecho.

As multas, chamadas tecnicamente na lei de “contribuições pecuniárias”, terão o piso de 1% do faturamento das empresas, mas poderão até ultrapassar o teto previsto na Lei do Cade (nº 8.884), que é de 30% do faturamento. Ana Paula afirmou que as empresas podem até optar por pagar mais do que esse teto justamente para desvencilharem a sua imagem do cartel.

A nova lei surge no momento em que as autoridades batem recordes em investigações de cartel. Somente neste ano foram cumpridos 38 mandados de busca e apreensão contra empresas suspeitas de cartelização em setores importantes da economia, como cimento, energia elétrica, gases industriais e transporte de cargas aéreas. É mais do que a soma dos últimos quatro anos. No ano passado, foram 19 mandados. E entre 2003 e 2005, quando começaram as ações de busca e apreensão em sedes de empresas, foram 11 mandados.

A expectativa é que a possibilidade de acordos com o Cade seja bem recebida no setor privado. “Essa é uma alteração que surgiu da percepção, tanto das empresas, quanto das autoridades, de que o processo é pior para ambas as partes”, disse a advogada Barbara Rosenberg, ex-diretora do DPDE e, hoje, sócia do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão. “Sabemos que os processos de cartel demoram muito tempo, e, muitas vezes, as empresas querem resolver o problema: pagar a multa e encerrar o caso”, explicou. “Agora, as empresas e o governo terão a possibilidade de não mais aguardar a conclusão integral dos processos.”

No setor de laranja, o Cade tentou, no ano passado, assinar um acordo pelo qual as principais indústrias de suco do país (Montecitrus, Coinbra, Cutrale e Citrovita) pagariam R$ 100 milhões em troca do encerramento das investigações de cartel no setor. Mas os próprios conselheiros resolveram recuar após concluírem que não existia, na época, lei estabelecendo acordos com as empresas em casos de cartéis. A presidente do Cade, Elizabeth Farina, pediu, durante o julgamento, a criação de um mecanismo legal para permitir acordos desse tipo. Ela concluiu que a legislação brasileira vedava esses acordos. Agora, o Cade e as indústrias de suco poderão retomar as negociações. O mesmo vale para outros setores que estão sendo investigados por cartel: representantes das empresas podem procurar o Cade para tentar um acordo.

O caso da laranja mostra como as investigações de cartel podem demorar no Judiciário. As empresas sofreram uma ação de busca e apreensão em janeiro de 2006, na qual foram coletados mais de 30 sacos de lixo de 100 litros em documentos, além de computadores, disquetes e CPUs indicando a existência de um cartel. Mas, até hoje a SDE não conseguiu analisar as provas devido a liminares concedidas pela Justiça. Uma dessas liminares foi cassada há dois meses. Mas, na prática, nada mudou nas investigações porque o governo ainda não foi intimado da decisão e, por isso, não teve acesso às provas. Este é um dos processos que, mesmo com provas robustas, deve demorar dez anos para ser concluído se não for feito um acordo prévio entre as empresas e as autoridades.

Foto – Ruy Baron/Valor
Legenda Foto – Ana Paula Martinez, do Departamento de Proteção e Defesa Econômica: “Para nós, essa legislação é um divisor de águas”