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Editorial
O Fundecitrus e a Associtrus
15 de janeiro | 2010
O anúncio de que o Fundecitrus não mais irá realizar as inspeções nem comandar a erradicação dos pomares tem levantado a questão de qual será o impacto dessa decisão sobre a citricultura. A Associtrus já se manifestou algumas vezes sobre o assunto, mas o momento exige que relembremos fatos importantes da história do fundo, que explicam como e por que essa importante iniciativa corre o risco de se perder.
O Fundecitrus foi criado em 1977 pela Associtrus em parceria com as indústrias de processamento de citros para prover a Secretaria da Agricultura de São Paulo de recursos para o combate ao cancro cítrico. Na ocasião, a Associtrus transferiu os recursos que se destinavam à sua manutenção para o fundo e forneceu 200 veículos para o Estado.
Sem recursos, a Associtrus se enfraqueceu e a indústria tomou o controle do Fundecitrus, que durante mais de dez anos foi presidido pelo presidente da Abecitrus, e, desrespeitando o estatuto, alterou a forma de contribuição das indústrias ao fundo. Em vez de contribuir paritariamente para o fundo com uma unidade monetária para cada caixa recebida, passou a votar um orçamento e, depois de recolhidos os recursos dos citricultores, as indústrias rateavam entre si a complementação do orçamento de acordo com uma fórmula secreta denominada “fórmula carneiro”.
Algumas indústrias deixaram de contribuir e algumas vezes deixaram de repassar os recursos arrecadados dos citricultores.
É importante registrar que, a partir de 1995, ano da assinatura do contrato de cartel, o controle da indústria sobre o Fundecitrus passa a ser total, tornando-o um órgão que utiliza os recursos dos citricultores em benefício da indústria, aumentando o poder das esmagadoras.
A partir de então, sem contar com nenhuma oposição, como já denunciamos anteriormente, foram distorcendo os objetivos iniciais, criaram cargos com altas remunerações, envolveram-se em atividades que deveriam ser desenvolvidas pelas universidades e institutos de pesquisa, desviando recursos que seriam destinados ao combate às doenças que sempre ameaçaram a citricultura.
Os conselheiros fiscais não têm acesso ao valor arrecadado dos citricultores e portanto não podem saber se estão sendo devidamente repassados e muito menos saber qual é a parcela de contribuição da indústria. Além disso, a indústria utiliza o controle da transferência dos fundos arrecadados como uma arma adicional para submeter o Fundecitrus aos seus caprichos. As universidades e centros de pesquisa recebem as verbas se se submeterem à vontade da indústria. Muitos estão convencidos de que as contribuições que recebem são provenientes da indústria e passam defendê-la e com todo ardor e subserviência em vez de defender a citricultura e os citricultores.
A maioria dos trabalhos contratados, muitos deles executados nas fazendas das indústrias, não são divulgados ou são divulgados depois que a indústria usou as informações de forma privilegiada! Assim tem sido com o levantamento que o Fundecitrus fez no parque citricola, que nunca foi publicado; com os resultados das pesquisas sobre a morte súbita, publicados só depois de a indústria haver-se beneficiado das informações, entre muitos outros casos.
Da mesma forma, parte da mídia é cooptada por meio de anúncios, viagens, e outras benesses, criando uma “blindagem” muito efetiva contra a divulgação de notícias que não agradem à indústria.
O mais grave, porém, é a incompetência que o Fundecitrus tem demonstrado ao detectar a morte súbita e o greening, depois que essas doenças estavam instaladas há anos, já haviam causado enormes prejuízos e se haviam espalhado por extensas áreas. Tivemos até casos de cancro cítrico causados por mudas de viveiros telados! O amarelinho e o cancro cítrico devastaram a citricultura na última década- exatamente o período em que o Fundecitrus esteve sob o controle absoluto da indústria.
Em virtude das denúncias da Associtrus apontando o desrespeito ao estatuto, a falta de transparência e o uso político dos recursos do fundo pela indústria, esta decidiu alterar o estatuto alegando que, por estar contribuindo duplamente como citricultor e como indústria, devido ao enorme plantio de pomares próprios, deixaria de contribuir como indústria.
Por outro lado, os serviços de inspeção e erradicação das plantas doentes que deveria ser feito pelo Estado foi transferido ao Fundecitrus. Enquanto o problema se limitou ao cancro cítrico, cuja lenta evolução implicava na erradicação de poucas plantas anualmente, a atuação indevida do Fundecitrus como fiscal da defesa sanitária não era muito evidente, porém com advento do greening e a conseqüente erradicação de milhões de árvores sem indenização aos produtores, os ânimos se exacerbaram e ficaram evidentes os conflitos de interesse e a atuação política do Fundecitrus.
O Fundecitrus, como não podia deixar de ser, passou a ser visto como uma entidade da indústria, empenhada a contribuir com o programa de eliminação dos pequenos e médios citricultores. Vários citricultores denunciaram o uso de critérios diferentes, dependendo do porte e da importância política do citricultor.
Desta forma, as esmagadoras destruíram uma iniciativa que acredito ser única no país, na qual os principais elos da cadeia se propõem a contribuir com o governo com recursos para o controle sanitário da produção.
Não sei se haveria ainda condições para restaurar o Fundecitrus na sua concepção original porque a falta de credibilidade e a falta de recursos dos citricultores se apresentam como uma enorme barreira para esta tarefa, no entanto a Associtrus se coloca à disposição do citricultor para organizar um novo fundo para substituir o Fundecitrus, se este for o desejo dos produtores.