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ONGs ambientais ricas e estrangeiras atropelam locais
08 de março | 2010
André Lobato
Fundadores do Ipê afirmam que organizações internacionais querem dizer o que é melhor para os países
APRESSADAS em obter resultados rápidos para justificar os recursos levantados, as grandes, ricas e poderosas ONGs estrangeiras atropelam as menores na hora de implementar projetos ambientais no Brasil.
É o que pensam os educadores socioambientais e fundadores da terceira maior ONG ambiental brasileira, o Ipê (Instituto de Pesquisa Ecológicas), Claudio, 61, e Suzana Padua, 58. Em dezembro passado, o casal tornou-se a primeira liderança ambiental a vencer o Prêmio Empreendedor Social, realizado pela Folha e pela Fundação Schwab.
Sem mencionar nomes, eles ressaltam as diferenças de atuação entre as ONGs internacionais e as locais. Por falta de estrutura, dizem, as ricas sublocam organizações menores, mas a forma de fazer vem de cima para baixo.
Chegam com o projeto pronto, dizendo sei o que é melhor para vocês, constata Claudio. Para o casal, as políticas ambientais internacionais são criadas no mundo das agências multilaterais junto com quem tem assento lá, as organizações enormes.
FOLHA – Como vocês veem a evolução do movimento ambientalista desde quando o Ipê surgiu, na época da Eco-92 até hoje?
CLAUDIO – A década de 90 não foi promissora, tivemos avanços, mas perdemos uma quantidade enorme de florestas tropicais nesse período. As metas de Kyoto não foram cumpridas. Fazer meta para aparecer na foto é fácil, o problema é não ter um mecanismo que possa depois verificar e punir de alguma forma quem não as alcance. As pessoas estabelecem metas de maneira irresponsável.
SUZANA – A natureza também nunca entrou como valor econômico, ela sempre veio de graça. Se você a tem de graça, tudo o que se refere a sua proteção está atrapalhando o progresso, porque ela está ali para servir a quem está enriquecendo.
Se todo mundo vivesse o padrão de vida norte-americano, segundo estimativas canadenses, seriam necessários hoje, no mínimo, quatro planetas. Não vamos chegar lá. Esse crescimento indiscriminado é uma falácia, não chegaremos ao desenvolvimento no padrão de consumo do jeito que está preconizado atualmente.
O que está fazendo falta neste momento é investimento em tecnologia, como os países desenvolvidos estão fazendo. Como posso manter meu padrão de vida consumindo 10% do que estou consumindo em termos de energia e água? É uma combinação de coisas. E o Brasil tem todo o potencial, mas não investe nele.
FOLHA – Qual seria o papel do governo e da sociedade nesse cenário de emergência na questão do clima?
CLAUDIO – Nós temos de cobrar de quem fala por nós um posicionamento pelo futuro do planeta e nosso, pois não é coisa para as gerações de um futuro muito longínquo. Há quem fique querendo diminuir a qualidade das previsões do IPCC painel do clima da ONU, mas eles são os melhores pesquisadores do planeta e não devem estar errados.
SUZANA – Os assentados do Pontal que trabalham com a gente compreendem isso, a premissa de que, com floresta, o resto da propriedade melhora, tem menos peste, o solo fica melhor, a água fica protegida.
No micro, nós, como ONG, podemos atuar. O desafio é conseguirmos entrar na escala em termos internacionais Há ONGs como o Ipê em várias partes do mundo, com base em ciência, academia, de tamanho médio, nacionais, trabalhando na ponta com os problemas verdadeiros.
Conseguimos atuar dentro dos nossos microcenários, mas precisamos de alguma maneira de uma voz que seja mais ouvida internacionalmente. De baixo para cima, não de cima para baixo, porque o que a gente sente é que há uma tendência grande de as coisas virem prontas e de o pequeno ser obrigado a cumpri-las.
CLAUDIO – São criadas pelas políticas ambientais internacionais, desenvolvidas no mundo das agências multilaterais com quem tem assento nelas: organizações enormes. Por isso nós estamos agora em alianças, na tentativa de conseguir uma representação para sermos iguais nesse processo.
FOLHA – Existe uma dicotomia entre as ONGs nacionais e as internacionais?
CLAUDIO – Existem ações diferentes e representações diferentes com atividades totalmente diferentes.
SUZANA – O peso das ONGs grandes nas decisões é muito maior que o das pequenas locais, como o Ipê. Isso é natural, porque elas se dedicam muito às políticas internacionais.
Tem uma delas de que várias pessoas do Ipê e da Wildlife Trust Alliance aliança de ONGs de médio porte também fazem parte, que é a UICN União Internacional de Conservação da Natureza. Eles têm cadeira na ONU e estão abrindo um escritório no Brasil. Mas ainda faltam assentos.
CLAUDIO – Um dos nossos objetivos na Alliance é contratar em curto prazo uma pessoa para buscar assentos nesses órgãos multilaterais.
FOLHA – De que tema que as grandes ONGs internacionais não abordam vocês falariam lá?
SUZANA – Não acho que a gente falaria o que eles não falam, mas é a forma de fazer, porque os grandes têm os princípios muito corretos, querem reflorestamento, manutenção das florestas nativas, a biodiversidade mais bem protegida.
Mas, na forma de fazer acontecer nos países, as ONGs menores, de médio e pequeno portes, apresentam um papel extraordinário, que as grandes normalmente atropelam.
FOLHA – Atropelam como?
SUZANA – Na implementação. Por exemplo, você se compromete a reflorestar determinada área, encontra locais altamente importantes para a biodiversidade e quer proteger aquele núcleo, fazer um cinturão verde. Como é que vai fazer?
As grandes têm mais facilidade de levantar fundos, mas, na hora de implementar, muitas vezes não têm a estrutura. Então sublocam as ONGs menores -e isso é complicado.
FOLHA – Elas contratam ONGs menores?
SUZANA – Muitas vezes contratam ONGs ou pessoas locais, mas a forma de fazer vem muito de cima para baixo.
CLAUDIO – Um é rico em dinheiro, e o outro, em biodiversidade. Quem é rico em dinheiro tem que ouvir quem é rico em biodiversidade para saber a melhor forma de fazer. Muitas vezes o rico em dinheiro chega com o projeto pronto, dizendo o que fazer, com a frase eu sei o que é melhor para vocês.
SUZANA – E isso eu não acho certo. É a mesma coisa que o governo faz: um projeto para a região do Pontal do Paranapanema sem consultar as pessoas locais. Tudo o que vem de cima para baixo raramente dá certo.
Leva tempo para construir confiança, para ter um grupo de pessoas com que você atua.
Às vezes elas as grandes ONGs não têm tempo, têm de mostrar resultado, porque coletaram verba que precisa ser gasta de determinada maneira.
Avalio que as ONGs internacionais teriam um papel fundamental -e durante um tempo, bem no inicio, até tiveram- na capacitação das pessoas locais.
Se o recurso angariado tivesse um componente forte em capacitação, elas construiriam um exército de sabedoria.
FOLHA – Essa necessidade de resultados rápidos com ONGs sublocadas pode fragmentar o processo?
CLAUDIO – Sim. Ninguém investe em capacitação, pois dá resultados muito fortes, mas lentos. Mas o medo não é só das ONGs, é do governo também.
SUZANA – No Ipê, fizemos esforço para capacitação a vida inteira. Começou internamente, incentivávamos os estagiários a partirem para o mestrado, o doutorado. Hoje o instituto tem esse ponto forte 30% de mestres e doutores.
Enquanto os Estados Unidos têm mais de 300 cursos sobre biologia da conservação, a América Latina inteira tinha 12 cursos até algum tempo atrás, para toda essa biodiversidade.
É um ponto muito crucial. Só 30% dos papers que são publicados nas grandes revistas, nas reconhecidas, sobre a Amazônia brasileira, tem um autor ou um coautor brasileiro. O resto é tudo gringo. O conhecimento gerado fica no norte e, se não chega até nós, como é que vamos competir? Os pesquisadores estrangeiros muitas vezes nem se lembram de mandar cópia para as unidades de conservação em que estudaram. A pesquisa fica lá.
CLAUDIO – Não é só que o conhecimento não chega; nós não o estamos produzindo.
SUZANA – É um grau de desequilíbrio muito grande de conhecimento -e conhecimento é poder. O esforço do Ipê e de outras ONGs -porque a gente não está sozinho nisso- é fazer uma massa crítica que pense diferente. É abrir caminhos para que as pessoas venham a ter um nível de conhecimento que faça a diferença.
CLAUDIO – Nesse espírito, é preciso capacitar fortemente não para as prateleiras das bibliotecas, mas para um conhecimento que se transforme em ações. Não sou contra a pesquisa pela pesquisa, mas às vezes a gente tem vergonha de fazer pesquisa aplicada no Brasil.
SUZANA – É considerada às vezes até de segunda classe. Fica o mundo do conhecimento que é o mundo das universidades, que não se mesclam. No nosso mestrado, temos uma disciplina que está fazendo uma diferença enorme, com resolução de problemas reais.
CLAUDIO – Que é como um empreendimento pode beneficiar o outro uma comunidade e todos podem beneficiar a biodiversidade. O que tem que desafiar é o tema, e não a sua divisão de conhecimentos.
FOLHA ONLINE
Na quarta, leia a íntegra da entrevista e os regulamentos dos prêmios no site Empreendor Social
www.folha.com.br/empreendedorsocial