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POLÍTICOS EXPLORAM CRISE ENTRE INDÚSTRIA E CITRICULTORES
09 de agosto | 2006
Bebedouro, 9 – Políticos candidatos a cargos executivos e legislativos aproveitaram a crise entre indústria processadora de suco de laranja e produtores da fruta para abraçar a “causa citrícola” e tentar obter bônus nas eleições gerais de outubro.
No início de março, a Cutrale, maior produtora mundial de cítricos, espantou o setor ao anunciar o que parecia impossível: elegia a Associação Brasileira de Citricultores (Associtrus) como canal de negociação para a definição de um novo contrato de compra e venda com os fornecedores da fruta. A gigante do setor informava ainda que contrataria todos os colhedores de frutas de suas fazendas.
Tudo sem qualquer participação de políticos, sob o acompanhamento do Ministério Público e sob pressão de seus clientes. Entre eles, a Coca-Cola, que exigia da Cutrale o selo SA 8000, certificação só obtida por empresa que possuir, entre outras exigências, todos os trabalhadores formais. As negociações avançaram e chegou-se até a ventilar a inclusão das outras grandes produtoras de suco – Citrosuco, Coinbra e Citrovita – que, juntas, exportar quase 100% da bebida.
Até que o prefeito petista Edinho Silva, de Araraquara (SP), sede da Cutrale, articulou, com o senador e candidato ao governo paulista Aloizio Mercadante (PT), que ele passasse a intermediar o acordo. Cutrale, aliás, aliada de primeira hora à campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2002.
No dia 11 de abril, representantes de indústria, governo e produtores, entre eles da Cutrale e da Associtrus, fizeram a primeira da série de 19 reuniões que atropelaram as negociações iniciadas em março.
Bastaram alguns encontros para a Cutrale recuar das negociações com a Associtrus e para a indústria impor como condição para o acordo o fim das investigações feitas pela Secretaria do Direito Econômico (SDE) de prática de cartel no setor. Na última sexta-feira (5), já sem a Associtrus, que se retirara em protesto, o acordo, classificado como “histórico e sem precedentes” pelo próprio Mercadante, impôs ao produtor um piso mínimo de US$ 4 por caixa de 40,8 kg da fruta entregue à indústria na safra 2006/2007. A proposta inicial negociada em março, previa um piso de
R$ 15 por caixa, ou cerca de US$ 7.
Pelos produtores, o principal signatário do acordo firmado na ultima sexta-feira foi Fábio Meirelles, presidente da Federação de Agricultura do Estado de São Paulo (Faesp) e pai de Tirso de Salles Meirelles, candidato a deputado federal pelo PFL. A Faesp foi apontada pela indústria como representante legítima dos citricultores durante as negociações.
Na próxima semana é possível que a SDE encerre as investigações de prática de cartel pela indústria por meio de um Termo de Compromisso de Cessação (TCC) proposto pelas próprias processadoras semanas antes do acordo com os produtores. Pelo acordo, a SDE pediu como contrapartida o pagamento de R$ 100 milhões de multa pelas empresas, sendo que R$ 85 milhões seriam destinados a um Fundo de Desenvolvimento da Citricultura, que já tem a Faesp como
principal candidata para geri-lo.
Durante todo o processo de negociação, surge Nelson Marquezelli, deputado federal e candidato a reeleição pelo PTB. Marquezelli protocolou emenda à Medida Provisória (MP) 292 pedindo a revogação de dispositivo da lei 10.149, de 2000 que impede qualquer tipo de acordo nos moldes do Termo de Compromisso de Cessação (TCC) como o articulado entre indústria e a SDE.
Só que a MP 292 trata de um assunto que pouco tem a ver com citricultura. Segundo o seu texto de abertura, “a MP reúne uma série de disposições aplicáveis aos imóveis da União, destinadas, em grande parte, a tratar de regularização fundiária de interesse social em áreas federais”. Apenas em um dos incisos, a MP 292 cita a lei das licitações a 8.666, de 1993, mas o artigo 17, sobre dispensa de licitações em alguns programas habitacionais.
Alertados da manobra de Marquezelli, produtores ligados à Associtrus foram a Brasília na última semana, perseguiram e bateram boca com o deputado nos corredores da Câmara e conseguiram dele o compromisso de que iria retirar a emenda à MP. Para desespero dos mesmos citricultores, no dia seguinte Marquezelli recebia o título de cidadão de Bebedouro, cidade que sedia a Associtrus.
“Tudo que vem ocorrendo desde a intervenção do Mercadante e do PT é uma afronta e um atropelo à legislação”, afirmou o também deputado e candidato à reeleição Antonio Carlos de Mendes Thame (PSDB). “Eles lá do PT procuraram a indústria e não vice-versa; nesta época de eleição, até imaginamos o porquê”, completou Thame para um grupo de produtores durante reunião nesta terça-feira (8), na Associação Comercial e Industrial de Bebedouro (SP).
Reunião, aliás, com direito a panfletagem dos candidatos a deputado estadual tucanos Kal Machado, hoje presidente da Associação dos Municípios Citrícolas do Estado de São Paulo (Amcisp), e Barros Munhoz, ex-ministro da Agricultura. Em seu discurso, Thame admitiu que tinha pouco relacionamento com os citricultores e que fora chamado por representantes do setor para expor sua experiência como presidente da Associação dos Municípios Canavieiros do Estado de São Paulo (Amcesp). “Eu vim por dever de ofício e o dever se transformou em prazer de ofício”, relatou o deputado logo após rasgar elogios ao candidato a governador do seu partido, o ex-ministro da Saúde e ex-prefeito José Serra (PSDB).
Indagado se não seria possível descolar as ações políticas das negociações entre indústria e produtores, Flávio Viegas, presidente da Associtrus foi sucinto. “Não tem como isso acontecer; só com pressão política podemos tentar obrigar a indústria a nos atender”, disse.
Alheio ao conflito político, um produtor profetizou, ao encher o copo com suco de laranja servido durante a reunião, para onde pode caminhar a cultura no Estado de São Paulo. “Aproveita que daqui a pouco só vai ser garapa (caldo de cana)”, disse, numa referência ao avanço da lucrativa lavoura da cana-de-açúcar sobre o maior pomar do mundo.
(Crédito: Gustavo Porto – Agestado)