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20 de fevereiro | 2025

Em 18 de fevereiro de 2025, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou dois recursos em processos movidos por produtores rurais contra empresas processadoras de suco de laranja, que pleiteavam reparação pelos danos decorrentes de um cartel na compra de laranja in natura.

O “Cartel da Laranja” foi investigado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) – autoridade concorrencial brasileira – em processo instaurado em 1999, com o objetivo de apurar indícios de infrações à ordem econômica no mercado de aquisição de laranjas para a produção de suco concentrado congelado. Esse procedimento administrativo resultou na celebração, em 2016, de Termos de Compromisso de Cessação (TCC), os quais continham, expressamente, o reconhecimento da participação dos compromissários nas condutas investigadas – exigência prevista no Regimento Interno do CADE.

Na Cláusula Segunda dos TCCs, o CADE deixou claro que as infrações à ordem econômica foram confirmadas tanto pelos compromissários quanto pelos demais indícios constantes dos autos, exigência que foi ratificada nas decisões que encerraram o processo administrativo e nas manifestações do próprio CADE nos próprios processos julgados pela 3ª Turma. Apesar do cumprimento dos requisitos essenciais para a celebração dos TCCs, três ministros entenderam, de forma equivocada, que os casos estariam prescritos, sustentando que o TCC não demandaria necessariamente o reconhecimento de participação. Esse entendimento não só contraria os documentos comprobatórios, mas também demonstra desrespeito a:

  • A atuação da Autoridade Concorrencial brasileira, cuja competência técnica abrange todo o território nacional;
  • A jurisprudência predominante dos Tribunais Brasileiros;
  • A estrutura normativa de defesa da concorrência;
  • O equilíbrio entre as políticas públicas e a reparação dos danos sofridos pelas vítimas.

Além disso, essa interpretação vai de encontro aos esforços legislativos – validados inclusive pela OCDE – e fere o “dever de deferência do Judiciário” à atuação do CADE, conforme consagrado pelo Ministro Luis Fux (Recurso Extraordinário nº 1.083.955/DF).

Ao promulgar a Lei nº 14.470/2022, que altera a Lei nº 12.529/2011 e reforça o Sistema Brasileiro da Concorrência, o Governo Federal afirma textualmente que “o parágrafo segundo do novo artigo 46-A define como marco para o início da contagem da prescrição a ciência inequívoca do ilícito, sendo compreendida como a publicação do julgamento final do processo administrativo pelo Cade.

Esse já era o entendimento predominante nos tribunais, uma vez que
é de fato neste momento que as vítimas passam a tomar ciência da existência do ilícito e, portanto, também da possibilidade de procurar o respectivo ressarcimento na seara judicial.”²

Importante relembrar que a Exposição de Motivos das emendas pela Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania ao Projeto de Lei do Senado nº 283/2016, que deu origem à Lei nº 14.470/2022, expressamente considerou:

Esse dispositivo estabelece que ocorrerá ciência inequívoca do ilícito quando da publicação do julgamento final do processo administrativo pelo CADE ou, alternativamente, quando do desfecho da ação penal. Sugiro retirar a parte final da redação proposta para o § 2º do art. 46-A, pois o desfecho da ação penal não é suficiente para caracterizar ciência inequívoca pelas vítimas de infração à ordem econômica.
(…)

A política de combate a cartéis brasileira é bem-sucedida. Por meio de investigações e de acordos de leniência, o CADE vem conseguindo punir condutas anticoncorrenciais, em especial os cartéis clássicos e em licitação, nos mais variados setores da economia. Mas essa política pública pode e deve ser complementada pelas ações privadas, em que os prejudicados vão
ao Judiciário para pleitear a reparação de danos. Em outras palavras, é preciso incentivar ações do setor privado para a efetividade da lei, sendo esse o objetivo do PLS que ora apreciamos. (SF/18795.79147-30).

Dessa forma, o entendimento proferido pela 3ª Turma do STJ em 18 de Fevereiro de 2025 contraria o esforço legislativo de conferir maior segurança jurídica, equilibrar o Sistema Brasileiro de Concorrência em suas vertentes pública e privada e evitar o ajuizamento de demandas descabidas, ao autorizar a vítima a aguardar o desfecho das investigações administrativas instauradas pelo CADE, momento a partir do qual detém os requisitos consagrados pela jurisprudência Brasileira na chamada teoria da actio nata em seu aspecto subjetivo: quando o titular do direito violado obtém plena ciência da lesão e de toda a sua extensão, bem como do responsável pelo ilícito.

Cartéis são atos ilícitos sigilosos por natureza, de forma que o entendimento de parte dos ministros da 3ª turma configura uma efetiva penalização da vítima, sem que a ela possa ser atribuída qualquer negligência. Ao mesmo tempo, a 3ª Turma do STJ gera um inconsequente desincentivo a potenciais lenientes, ao indiretamente conferir ao signatário de um TCC um benefício não conferido ao leniente, dificultando, assim, a persecução pública que é função do CADE.

Por fim, relembre-se que ações ajuizadas anteriormente à conclusão do processo
administrativo instaurado pelo CADE em relação ao cartel da laranja foram julgadas prematuras e diversos pedidos de acesso às informações foram negados à ASSOCITRUS e a potenciais vítimas sob o fundamento de que tais interessados deveriam aguardar o desfecho do processo administrativo, sob o pretexto de que o acesso a informações sigilosas, tanto por força de decisão judicial quanto em função da necessidade de se resguardar o sigilo necessário à continuidade das investigações, prejudicaria a política pública de persecução aos carteis.

Assim, a despeito do entendimento predominante dos Tribunais Brasileiros em outros casos de cartel, no que diz respeito ao Cartel da Laranja, o Judiciário Brasileiro ora considera a precocidade de processos movidos por potenciais vítimas, ora considera a intempestividade de tais medidas. O STJ, a quem é conferido o dever de zelar pela segurança jurídica, tornou-se vetor da insegurança jurídica.

A ASSOCITRUS entende que o posicionamento da 3ª Turma do STJ representa um retrocesso absoluto aos esforços legislativos e administrativos e à segurança jurídica, além de uma ofensa à atuação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Por isso, a associação continuará, como sempre, a defender a aplicação correta das Leis Brasileiras.

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¹ Regimento Interno do CADE 

² Nota do CADE sobre a Lei 14.470/2022

³ Exposições de motivos do Senado

Bebedouro, 20 de Fevereiro de 2025
Associtrus – associação Brasileira de Citicultores

 

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