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Roberto Abdenur crê que tarifa sobre suco nos USA deva cair.
16 de março | 2007
Em artigo para o Jornal Valor Econômico de 15 de março o Ex Embaixador em Washington, Roberto Abdenur, escreveu o artigo, “O etanol e as relações Brasil-EUA” onde cita o suco de laranja. Leia na integra o artigo.
O entendimento sobre biocombustíveis entre Brasil e EUA, assinado quando da recente passagem do presidente Bush por São Paulo, requer análise em contexto mais amplo, pelo que expressa em termos da evolução das relações entre os dois países, e pelo que, se por nós bem aproveitada, pode a iniciativa contribuir para maior dinamismo e diversificação de nossas vendas àquele país, há uma década estacionadas em apenas 1,4% do gigantesco mercado de US$ 2 trilhões.
Alguns comentários:
1) o noticiário deixou de notar devidamente que esse entendimento é, a rigor, parte de iniciativa mais ampla pouco antes lançada por parte do Brasil – o Fórum sobre Biocombustíveis, que congrega, ademais dos dois países, Índia, China, África do Sul e União Européia em esforço para “globalizar” o etanol e ampliar o uso do biodiesel.
2) Essa nova parceria denota uma pouco percebida nova realidade nas relações Brasil-EUA: nos últimos 10/15 anos o relacionamento, antes altamente assimétrico e “unilateral” (no sentido de que eram os EUA os supridores de investimentos, know-how e tecnologia, sem contrapartidas de nossa parte em tais áreas), vem se tornando cada vez mais equilibrado e ganhando crescente sentido de mutualidade – o Brasil conta hoje nos EUA com investimentos de mais de US$ 3 bilhões, tem muito a oferecer em diversos setores de ciência e tecnologia, e desponta, graças ao etanol, como indispensável e decisivo parceiro na questão da segurança energética, tornada prioridade estratégica para aquele país.
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Bush simplesmente não podia, por força de limitações legais e constrangimentos políticos, fazer concessões onde o poder decisório está com o Congresso
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3) O memorandum de entendimento sobre biocombustíveis abre, pela primeira vez, uma nova dimensão nas relações Brasil-EUA: o trabalho conjunto em prol do desenvolvimento e da redução da pobreza em países da América Latina, Caribe, África e Ásia (começando pela América Central e Caribe) – o que mostra a desejabilidade de uma via Sul-Norte-Sul, e indica que o eixo Sul-Sul não precisa mover-se às expensas de uma mais estreita interação com os “ricos”.
4) É equivocada a decepção de alguns observadores com o fato de não haver-se Bush comprometido com a eliminação ou pelo menos redução gradual (ou parcial) da tarifa e impostos sobre a importação de etanol nos EUA; Bush simplesmente não podia, por força de limitações legais e constrangimentos políticos, fazer concessões em matéria onde o poder decisório final está com o Congresso; mas, isso não obstante, sim, fez bem o lado brasileiro em marcar com ênfase nossa posição a tal respeito, pois essa pressão tende a reforçar a mão do Executivo, mesmo no ocaso da gestão Bush, em suas tratativas com o Congresso ao expirar a lei que prolongou até o final de 2008 as barreiras sobre o etanol importado.
5) Barreiras como as que incidem sobre nossas exportações de etanol e suco de laranja cairão “de podres”: serão levadas de roldão por novos desdobramentos na economia americana, no Brasil e no mundo; no caso da laranja, por exemplo, cairão por força do drástico e irreversível encolhimento do setor nos EUA, como resultado de pragas e redução da área plantada, sob pressão da crescente urbanização; quanto ao etanol, os avanços na globalização do produto, como conseqüência das atividades do Fórum e da própria parceria Brasil-EUA, levarão naturalmente a maior abertura de mercados, o que será também facilitado pela compreensão nos EUA, em não muito mais tempo, das limitações em sua capacidade de produção, e do cabimento de maior recurso a importações (mas, reitero, nem por isso devemos deixar de exercer a necessária pressão, de modo a acelerar o processo).
6) O documento entre os dois governos será o fulcro da promoção do etanol, mas cabe buscar sinergias com iniciativas convergentes (ainda que em alguns aspectos redundantes), como a que lançaram há poucos meses o outro Bush (Jeb, o ex-governador da Flórida), o BID e nosso ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues (particularmente bem qualificado como vínculo com o setor privado, essencial ao processo); da mesma maneira, cabe estarmos atentos a iniciativas que começam a ser discutidas no Congresso norte-americano, como, entre outros, projeto de lei do influente Senador Richard Lugar, ex-presidente da Comissão de Relações Exteriores (com quem, a propósito, tive ocasião de co-assinar,à certa altura, artigo na imprensa americana no qual pregávamos a importância de uma parceria Brasil-EUA no etanol, bem como de pronta eliminação dos gravames sobre a importação do produto). Lugar preconiza, em termos mais amplos, a criação de um “Fórum Hemisférico de Cooperação em Energia”, que incluiria medidas para viabilizar investimentos em infra-estrutura, tecnologia, eficiência energética e desenvolvimento rural – semelhantes iniciativas, além de sua utilidade intrínseca, contribuirão para virar em nosso favor a maré no Congresso norte-americano, ao contrapor-se ao “lobby” protecionista que defende a tributação sobre as importações de etanol.
7) No biodiesel, parece fazer sentido uma parceria bilateral nossa com a União Européia, que vai adiantada nesse campo. O Brasil poderia tornar-se, assim, o vértice de um triângulo EUA-Brasil-UE, que abarcaria dois dos principais componentes da nova equação energética que agora começa a delinear-se no plano internacional. A China está a mudar a geografia comercial do mundo, mas o Brasil tem a possibilidade de tornar-se ator decisivo na configuração de uma nova geografia energética.