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SDE defende legislação que permita acordos em investigação contra cartel.
26 de dezembro | 2006
O secretário de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça, Daniel Goldberg (foto), acredita que o desafio do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na área de defesa da concorrência, será aprovar uma legislação que permita acordos com empresas acusadas de cartel.
A nova legislação será importantíssima para o governo, opina Goldberg, porque as investigações contra cartéis estão crescendo brutalmente. O secretário que está deixando o cargo ao final deste mês contou ao Valor que os 15 principais processos na SDE, hoje, são de cartéis. Em 2003, no início do governo, dos 15, apenas 2 eram de cartéis, porque o foco da defesa da concorrência se dava nas fusões e aquisições.
Nos últimos quatro anos, a SDE enviou 126 processos ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Desses, 48 são casos de cartéis – 40% do total. Em todos os casos de cartéis, a SDE recomendou ao Cade a condenação das empresas.
Hoje, os setores que estão sendo investigados por cartéis são: infra-estrutura, construção civil, insumos químicos e industriais, cadeia petroquímica, setor de serviços e de bens de capital.
Como a lei atual proíbe acordos para encerrar casos de cartéis, as empresas que são condenadas pelo Cade recorrem ao Judiciário. O resultado é que as multas – que vão de 1% a 30% dos faturamentos das empresas – não são aplicadas na prática. A Justiça concede liminares às empresas e demora anos para chegar a uma decisão final.
A falta de previsão legal para acordos com empresas que fazem cartéis foi sentida na prática no caso do cartel da laranja. Em janeiro deste ano, numa megaoperação de busca e apreensão de documentos na sede das principais indústrias de suco do país – Montecitrus, Coinbra, Cutrale e Citrovita -, a SDE conseguiu provas de cartel no setor. Mas, por força de liminares na Justiça, as provas foram lacradas e não podem ser utilizadas na investigação. A secretaria propôs, então, um acordo: as indústrias pagariam R$ 100 milhões e o processo seria encerrado. Mas o Cade concluiu que não há previsão legal para assinar acordos desse tipo.
A idéia inicial seria encerrar o cartel da laranja, como ocorreu no caso Microsoft. A multinacional pagou R$ 5 milhões para o Cade e, com isso, acabou o processo entre ela e o órgão antitruste que se arrastava na Justiça. A Microsoft contestava condenação do Cade por ter vendido softwares com exclusividade para uma revendedora de seus produtos no Distrito Federal, a TBA. A multa foi paga há dez dias.
O caso da laranja é mais polêmico, pois foi cogitada a possibilidade de o Brasil ser punido no âmbito internacional, caso as indústrias de suco sejam condenadas. Se for comprovado que os Estados Unidos – para onde é vendido grande parte do suco produzido no Brasil – compraram de um cartel, o Brasil pode sofrer restrições no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Goldberg acredita que essa hipótese está descartada, porque a investigação não é sobre um “cartel de exportação”, mas sim sobre um “cartel de compras”. As indústrias de suco são acusadas de dividirem o mercado na compra de laranjas de produtores do interior paulista. “Cartel de compra não leva a dumping nas exportações”, afirmou o secretário. Os insumos (laranja) sofrem redução de preços, mas os preços do suco exportado para os Estados Unidos sobem.
Sem a possibilidade de acordo com as indústrias de suco, a expectativa é que o caso demore anos para ser concluído. Depois que a SDE concluir as investigações, o Cade terá de julgar e, em seguida, as indústrias, se condenadas, deverão recorrer à Justiça.
Todo este trâmite poderia ser evitado. Nos Estados Unidos, apenas 5% das investigações de cartéis vão a júri, pois a lei prevê a possibilidade de acordo entre as autoridades antitruste e as empresas. A Europa também está revendo a sua legislação para permitir acordos semelhantes.
“Essa é a discussão de vanguarda hoje no campo da defesa da concorrência: como criar instrumentos para fazer acordos com cartéis sem deixar a impressão de que as autoridades estão beneficiando as empresas ao fazê-los”, resumiu Goldberg. Um desafio para o segundo governo Lula.