O Grito da Citricultura!

14/10/2009

O Brasil tornou-se o maior produtor mundial de laranjas e o maior produtor e exportador de suco de laranja, dominando mais de 80% desse mercado, baseado numa citricultura que se caracterizava por ser constituída por pequenos e médios produtores altamente capacitados que residiam nos municípios citrícolas, devido à alta exigência e complexidade tecnológica da atividade.

 

 Essa classe média da agricultura promoveu a geração e distribuição de renda e emprego nas regiões citrícolas do país. Os municípios citrícolas apresentavam os maiores PIBs e IDHs do país.

A partir do início da década de 90, em virtude da recessão que afetou a Ásia, que se afigurava como o novo mercado para o suco brasileiro, a indústria cartelizou-se e iniciou um processo de concentração e verticalização da produção.

 

A etapa mais importante desse processo foi marcada pela venda, em 1993, da Frutesp, empresa controlada por uma cooperativa de citricultores, que dava transparência ao mercado e assegurava ao citricultor participação na renda da cadeia produtiva.

 

O processo foi agravado em 1994 pela decisão do CADE em suspender, mediante um acordo, o processo sobre a cartelização do setor. Esse acordo nunca foi cumprido e foi encerrado em 2000, apesar de uma nova denúncia de cartel ter sido apresentada em 1999, aqui na Câmara Federal, pelo deputado Russomano e encaminhada ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SEAE, SDE e CADE) onde gerou um novo processo de investigação que ainda está na SDE.

 

O mais grave é que, ironicamente, o acordo proibiu, como era de interesse da indústria, o contrato de participação que havia no setor, que assegurava uma negociação coletiva do preço da laranja, mediada pelo governo, e balizada pelos preços do suco no mercado internacional.

 

 A alegação do CADE era  que a negociação entre citricultores e a indústria feria as leis da defesa da concorrência e que os próprios citricultores demonstravam descontentamento com o contrato.

 

 Essa foi uma interpretação absurda dos fatos. As negociações objetivavam apenas a fixação de uma norma para definir a participação dos citricultores na renda da cadeia, que é voltada para a exportação.

 

 Em relação ao contrato, a reivindicação dos produtores era no sentido de aprimorá-lo em virtude das mudanças tecnológicas e de mercado ocorridas na época.

 

O que se seguiu foi o fortalecimento da indústria, que, como primeira retaliação aos produtores, transferiu a eles, sem nenhuma compensação, os custos de colheita e frete.

 

As indústrias assinaram, entre si, um contrato mediante o qual fixavam as participações de cada uma delas no mercado de suco de laranja, dividiam os citricultores, combinavam os preços pagos aos produtores e de venda do suco, estabeleciam regras de compensação em caso de necessidade de ajustes.

 

Esse contrato era administrado através de auditorias e reuniões periódicas dos executivos da indústria.

 

Assim iniciou-se o processo de concentração e verticalização da indústria de suco de laranja. O processamento de citros concentra-se hoje nas quatro empresas (Cutrale, Fischer, Louis Dreyfus e Citrovita) que, com suas parcerias estratégicas com os grandes engarrafadores (Coca Cola e Pepsi Cola entre outros), têm o controle do setor, desde a produção da fruta até

o suco na embalagem final na prateleira do supermercado

 

. Estas empresas controlam também cerca de 50% do processamento de citros na Flórida, o segundo maior produtor mundial de suco.

 

 A remuneração dos citricultores que, em valores atualizados era de US$ 4,5 por caixa de 40,8 kg, livre de colheita e frete, até meados da década de 90, caiu para um patamar de US$ 2,5, apesar do brutal crescimento dos custos devido às doenças e pragas que apareceram nos últimos anos e que elevaram os custos, de um patamar inferior a US$ 2 por caixa, para o nível atual de custo de US$ 8 por caixa.

 

Os baixos preços provocaram uma brutal transferência de renda dos produtores para a indústria e impediram que os citricultores renovassem os seus pomares e, por outro lado, impuseram-lhes perda de produtividade e acúmulo de dívidas, o que provocou a expulsão da maior parte dos pequenos e médios produtores do setor.

 

 Só no Estado de São Paulo, desde meados da década de 90, mais de 20 mil citricultores já foram obrigados a abandonar o setor e muitos outros serão inviabilizados se nada for feito.

 

Financiados pela renda apropriada dos citricultores, pelo subfaturamento do suco exportado e pelo próprio BNDES, as grandes indústrias fecharam e adquiriram seus concorrentes, ampliaram seu parque industrial, implantaram um sistema de transporte a granel em escala mundial que, por um lado contribui para que o Brasil mantenha o controle do mercado, mas por outro, constitui-se numa enorme barreira de entrada para novos concorrentes. Implantaram seus pomares e hoje já produzem cerca de 50% da laranja que processam e continuam plantando novos pomares.

 

Na década de 70, as indústrias detinham menos de 600 mil árvores e estima-se que atualmente os seus pomares tenham atingido 50 milhões de árvores, o que lhes dá um poder enorme de negociação na compra da matéria-prima.

 

Esse grau de concentração do setor e o poder econômico e político daí decorrentes têm acarretado enormes distorções no mercado e na atuação das nossas instituições, que têm tido grandes dificuldades em coibir os abusos e as ilegalidades cometidas.

 

Nesta safra, alegando queda de vendas e de preços e altos estoques, o que não é confirmado pelos dados disponíveis que indicam estoques decrescentes nas ultimas três safras e inferiores a vinte dias de exportações e embarques estáveis, as indústrias não estão renovando os contratos e estão adquirindo a fruta sem contrato por preços que mal cobrem os custos de colheita e frete.

 

Regulamentação.

 

Estamos tentando, há mais de uma década, uma auto-regulamentação do setor através do Consecitrus, porém as várias tentativas de negociação foram abandonadas pela indústria.

 

Hoje, as informações coletadas nas investigações sobre o cartel e novas investigações sobre as transferências de suco, a valores abaixo dos reportados no mercado de suco a granel, entre as processadoras e empresas que revendem o suco aos engarrafadores, permitem que as autoridades tomem medidas no sentido de:

 

·Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â  Restabelecer a concorrência no setor,

o                    Coibindo a divisão dos produtores

o                    Impedindo a fixação de políticas comerciais uniformes

o                    Reduzindo as barreiras de entrada para novos concorrentes.

 

·Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â  Limitar a verticalização,

o                    Impedindo a expansão dos pomares da indústria

o                    Limitando a concentração do setor citricola

o                    Incentivando a aquisição de fruta dos pequenos e médios produtores.

 

o                    Fortalecer a organização e o associativismo dos produtores,

     Criando incentivos aos produtores organizados em associações.

 

·Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â  Estabelecer preços mínimos para a laranja e para o suco.

 

·Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â  Incentivar a ampliação do mercado para a laranja e para o suco,

o                  Criando um fundo nos moldes do Departamento de Citros da Flórida.

o                   Promovendo, através de campanhas de marketing, a laranja e o suco brasileiros

o                   Organizando e incentivando o mercado interno.

 

·Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â  Criar um sistema de informações que torne o setor mais transparente, como o existente na Flórida.

 

·Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â  Instituir o Consecitrus com o objetivo de assegurar a efetiva aplicação das medidas de regulamentação, que reduzirão a assimetria, assegurando ao citricultor e aos demais elos da cadeia produtiva uma participação justa na renda do setor, proporcional aos investimentos e aos riscos assumidos.

 

·Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â Â  Como medida emergencial, é preciso renegociar as dívidas dos citricultores, acumuladas pela ação ilegal das indústrias e pela inação das instituições responsáveis pela defesa da concorrência. 

 

Flávio P.C Viegas é Eng.Agr, produtor e presidente da ASSOCITRUS.