Polêmica em torno do Código Florestal

31/05/2010
O GLOBO
Catarina Alencastro

Relator do projeto na Câmara, Aldo Rebelo pede menos exigências para produtores rurais; Greenpeace discorda

Pronto para apresentar o relatório de um projeto cercado de polêmicas, a mudança do Código Florestal brasileiro, que data de 1965, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) diz que é impossível obedecer a atual legislação ambiental brasileira.

Em tom de ironia, ele afirma que a legislação torna todos os brasileiros que comem arroz cúmplices de crime ambiental. Isso porque, segundo levantamento de sua assessoria, com base em dados do IBGE, 75% da produção do grão é irregular.

— Na prática, quem está comendo arroz é cúmplice de crime ambiental — comentou.

Aldo defende que pequenos proprietários sejam liberados da exigência de preservar um percentual de suas propriedades — a chamada reserva legal.

Já médios e grandes fazendeiros poderiam cumprir a obrigação fora de suas propriedades, adotando parques.

Segundo o documento produzido pelos técnicos da Câmara, 90% das 5 milhões de propriedades rurais brasileiras estão na ilegalidade por não ter reservas legais demarcadas. Aldo diz que há um emaranhado de mais de 16 mil dispositivos legais nessa área, o que inviabiliza a atividade agropecuária no país. Para solucionar distorções, ele propõe que haja uma lei geral, determinando a preservação de 20% da área do Pantanal, dos pampas, da caatinga e da Mata Atlântica; 35% do cerrado e 80% da Amazônia. E que cada estado possa regulamentar regras específicas sobre as reservas legais e as Áreas de Preservação Permanente (APPs) — como beiras de rios e encostas.

No caso da Amazônia, cada estado poderia adotar diferentes faixas de preservação, variando de 50% a 80%. O governo de Rondônia, um estado com muitas áreas já desmatadas, poderia então decidir que só deixará metade de suas florestas em pé. Outro mecanismo que poderá ser alterado pelos estados são as APPs. Dependendo do solo e do tamanho do rio, por exemplo, os estados também poderão determinar diferentes larguras de vegetação a serem mantidas.

Hoje, o mínimo a ser preservado nos leitos dos cursos d’água são 30 metros e o máximo, 500 metros. Mas a menor metragem em vigor poderá ser reduzida ainda mais, como já fez o Estado de Santa Catarina.

— Você tem muitos cursos d’água que são pequenos, com largura de um, dois metros. Quando cruzam pequenas propriedades, pela metragem atual, podem inviabilizar economicamente o uso da propriedade e a sobrevivência de seu proprietário.

Então, talvez fosse o caso de deixar ao estado uma possibilidade de variação que protegesse o meio ambiente, mas também permitisse a atividade agrícola e pecuária — argumentou Aldo.

Nessas áreas também seriam permitidas algumas atividades relacionadas ao “costume e à tradição”. A lei atual já permite essa possibilidade, mas até hoje não foram estabelecidas as regras para essa exploração. A inovação que deverá constar do relatório de Aldo é que atividades industriais ou de larga escala também possam ser permitidas, desde que tenham licenciamento ambiental para isso.

O Greenpeace teme que dar aos estados o poder de determinar a metragem das APPs provoque uma guerra, na qual estados com menores restrições atraiam mais produtores.

— O que me preocupa é passar para os estados a delimitação das APPs. Vai ser uma guerra: “Vem pra cá, que nossa APP é menor”. Santa Catarina está provando que um dia a casa cai — ponderou Nilo D’Ávila, coordenador de Políticas Públicas da ONG.

Ele lembra que as APPs foram pensadas não só para preservar a qualidade das águas dos rios, mas também para evitar a perda do solo e a formação de erosões.

D’Ávila também vê com ceticismo o fim da exigência de os pequenos agricultores manterem a reserva legal: — Não há cadastro das pequenas propriedades. Como é que você vai saber se aquele desmatamento é na pequena propriedade, na média ou na grande? E o latifundiário que quiser comprar 20 pequenas propriedades já desmatadas, também ficará isento da reserva legal? Embora não queira comentar pontos da proposta de Aldo, a presidente da Confederação Nacional da agricultura (CNA), senadora Kátia Abreu (DEM-TO), reclamou que hoje sobra um percentual muito pequeno do território brasileiro (850 milhões de hectares), para agricultura e pecuária.

— Estamos produzindo em 220 milhões de hectares, o resto é tudo reserva. Vamos estrangular mais a produção? A gente vai chegar aonde desse jeito? Suplente na comissão especial da Câmara que debate o Código Florestal, o líder do PT, Fernando Ferro (PE), disse que o projeto dificilmente será votado em ano eleitoral. Aldo promete apresentar seu relatório na semana de 7 a 11 de junho.