COLHEITA AMARGA - ARTIGO DA BLOOMBERG SOBRE O CUTRALE

01/06/2006
O brasileiro José Luis Cutrale, que controla um terço do mercado global de laranja de US$ 3 bilhões, está se fortalecendo na Flórida. Promotores, líderes sindicais e políticos estão no seu encalço. Simplício Amorim já apanhou 800 kg de laranja em um pomar no sudeste brasileiro às 14h, sete horas após o início de sua jornada de trabalho. Sua calça jeans, rasgada nos joelhos e imunda e sua camiseta rasgada estão encharcadas depois de passar o dia subindo e descendo uma escada para apanhar as frutas sob uma chuva torrencial e o calor tropical escaldante. Amorim, de 55 anos, trabalha para suprir as fábricas de propriedade de José Luis Cutrale, o indivíduo que possui a maior participação no mercado de US$ 3 bilhões anuais de suco de laranja. O império da família Cutrale produz praticamente um de cada três copos de suco de laranja do planeta. Após as autoridades brasileiras terem descoberto que Cutrale pagava salários injustos e negava benefícios aos trabalhadores, ele eliminou concorrentes na Flórida, vendendo suco abaixo do preço de mercado, de acordo com o Departamento de Comércio americano. Cutrale chegou ao topo violando regras de exportação americanas, desrespeitando a legislação trabalhista brasileira, fazendo conluios para estabelecer preços e exportando essas práticas para a Flórida, segundo organizações, promotores brasileiros, órgãos antitruste e o governo dos EUA. “Nós temos lutado contra o Cutrale há 10 anos e nossa paciência acabou”, afirma Ricardo Garcia, um dos seis promotores brasileiros que entraram com ações trabalhistas contra o Cutrale desde 1996. “Eles utilizaram todas as artimanhas possíveis para ganhar dinheiro ignorando as leis trabalhistas. Faz parte de sua cultura. Eles não têm escrúpulos”. Em 24 de janeiro, a polícia, armada, fez uma batida nos escritórios do Cutrale em Araraquara, no estado de São Paulo, como parte de uma investigação do governo sobre a combinação de preços no mercado de laranja. A polícia confiscou nove caixas cheias de arquivos nesta operação. Foi mais um passo em uma investigação que já dura sete anos, do Ministério das Finanças, segundo a qual a empresa Cutrale e outras indústrias processadoras de suco de laranja têm conspirado para manter baixos os preços das laranjas compradas por elas para suprir suas fábricas. Cutrale se recusaou a comentar a investigação. Ademerval Garcia, presidente da Associação Brasileira de Exportadores de Citrus (Abecitrus), negou as acusações contra as indústrias processadoras. Os produtores de laranja da Flórida, que têm o apoio do governador Jeb Bush, irmão do presidente George W. Bush, afirmam que Cutrale e três outras empresas processadoras de suco estão tentando eliminá-los do mercado. “Não dá para competir com eles”, declarou Ron Edwards, executivo da empresa Vero Beach, da Flórida, uma das cinco maiores produtoras de laranja daquele estado. “A mão-de-obra é o grande trunfo do Brasil na competição”. Do pomar de Itápolis, a 350 km de São Paulo, Amorim presume que irá apanhar laranjas suficientes para encher a sacola encharcada pendurada em seu ombro esquerdo 40 vezes. A 25 centavos por caixa de 30 kg, Amorim espera ganhar R$ 10,00 por 10 horas de trabalho. “Não dá para pagar as contas”, ele diz. O pagamento do dia de trabalho de Amorim equivale ao que um apanhador na Flórida ganha em 30 minutos de trabalho. Isso dá à Sucocítrico Cutrale Ltda., a companhia privada de Cutrale um rendimento annual de praticamente US$ 1 bilhão. O suco de laranja congelado concentrado foi a quarta commodity que apresentou maiores ganhos em 2005, com um aumento de quase 50%. O preço do suco é o mais alto dos últimos sete anos, a US$ 1,26 por libra em 3 de fevereiro. Avelino da Cunha, presidente da união que representa 4.000 trabalhadores rurais da região de Itápolis, um dos maiores pólos citrícolas do Brasil, afirma que Cutrale está lucrando às custas de milhares de trabalhadores que labutam em condições desumanas sem receber os salários e benefícios previstos na lei. “Há dois mundos nesse setor, o mundo High-tech que existe dentro das indústrias e o terceiro mundo de miséria do campo”, segundo Avelino da Cunha. A intervenção policial ocorrida em janeiro foi consequência de uma década de embates com organizações, órgãos reguladores e representantes dos governos brasileiro e americano. Em 1996, promotores tiveram o primeiro êxito em ações trabalhistas contra a empresa Cutrale por falta de pagamento de horas extras e outros benefícios obrigatórios. Naquele mesmo ano, segundo organizações americanas, Cutrale levou sua prática de reduzir o pagamento de trabalhadores aos EUA, quando comprou da Coca-Cola Co., duas fábricas do refrigerante Minute Maid localizadas nas proximidades de Orlando, Flórida. Logo após assumir o controle das fábricas, Cutrale solicitou que 300 funcionários de uma das unidades pedissem demissão de seus empregos e em seguida fossem contratados novamente, a maioria deles por salários 40% mais baixos. Em janeiro de 2000, os funcionários da mesma fábrica fizeram sua primeira greve em 30 anos, reclamando de dejetos de ratos e pombas em correias de transporte e baratas nas proximidades dos tanques de suco. A empresa Cutrale Citrus Juices USA - subsidiária americana da Sucocítricos Cutrale Ltda. - também enfrentou pelo menos cinco ordens de retirada de produtos do mercado, exigidas pela US Food and Drug Administration, uma delas por ter sido encontrado mofo em amostras de um lote do refrigerante Minute Maid, em 2001. O US Occupational Safety & Health Administration, entidade que fiscaliza questões de segurança e saúde nas empresas nos EUA citou as fábricas do Cutrale pelo menos 24 vezes por violações “sérias” desde que o Cutrale assumiu a direção das mesmas. “Eu nunca conheci uma empresa tão contra os trabalhadores quanto a Cutrale”, declarou Ken Wood, presidente de um grupo que representa os trabalhadores dessas fábricas. O presidente da Cutrale Citrus Juices USA, Hugh Thompson, não quis comentar a respeito desses fatos, mesmo após repetidas ligações telefônicas. Em Dezembro de 2004, a Justiça brasileira ordenou que Cutrale fizesse as correções necessárias em relação às práticas da empresa, no que diz respeito aos trabalhadores, após concluir que a empresa havia remunerado inadequadamente seus trabalhadores de campo e não os havia concedido benefícios obrigatórios por lei durante quase uma década. E em janeiro, o Departamento de Comércio dos EUA impôs uma tarifa de 19% à Cutrale por vender suco a preços abaixo do mercado, o que resultou em perdas aos citricultores da Flórida. Esta foi a segunda tarifa atribuída ao suco brasileiro desde 1987. Em uma entrevista concedida em Maio, Cutrale negou a venda de suco abaixo do preço de custo na Flórida e declarou respeitar qualquer tarifa imposta pelos EUA ou por outros países. “Sabemos que estamos praticando nos EUA um preço mais alto do que em qualquer outro mercado”, declarou. “Nã temos nenhuma vantagem competitiva”. Cutrale recusou diversas outras solicitações para conceder novas entrevistas desde então. Cutrale, em documentos processuais, alega que sua empresa não é responsável pelo pagamento de benefícios aos colhedores de laranja pois estes não são funcionários da companhia e a plantação de laranjas não faz parte de seu negócio principal. Em 1º de fevereiro, dois representantes da Cutrale iniciaram negociações com Garcia, associações e citricultores sobre colocar os colhedores de laranja na folha de pagamento da empresa. Cutrale liderou a expansão que tornou o Brasil o maior produtor de suco de laranja do mundo. As exportações de suco de laranja concentrado congelado praticamente triplicaram desde 1980 para quase 1,4 milhões de toneladas métricas em 2005, segundo a Abecitrus. O setor citrícola se inicia com os citricultores. Cutrale compra 70% das laranjas processadas deles. O restante vem de produção própria. O trabalho mais duro é feito pelos colhedores de laranja, que em alguns casos trabalham diretamente para os fazendeiros e em outros para cooperativas ou associações que são contratadas pelos produtores. A empresa de Cutrale lucra transformando a laranja em suco concentrado e vendendo no mercado nacional e – principalmente – internacional. A sede da Sucocítrico Cutrale Ltda. É protegida por cercas de aço duplas e portões no meio de pomares de laranja. Oito executivos vivem em casas construídas pela empresa dentro da própria sede, que tem forma de coração e é protegida por guardas armados. Cutrale raramente aparece em público e seus meios de transporte mais utilizados são um helicóptero e um jato particulares. A Sucocítrico Cutrale fez de Araraquara a cidade da companhia, com um aroma de laranja permanente no ar devido à fábrica de um quilômetro de comprimento. Durante as safras, caminhões vindos de centenas de fazendas descarregam laranjas na fábrica, 24 horas por dia, onde elas saõ processadas e transformadas em suco concentrado congelado. Este produto é transportado ao porto de Santos. Lá, é colocado em compartimentos refrigerados de navios e transportado para Newark, New Jersey (EUA), Rotterdam (Holanda) e Toyohashi (Japão). Cutrale vende aproximadamente 835 milhões de galões de suco concentrado por ano. Isso representa um faturamento anual de US$ 840 milhões, baseado na estimativa de preços do ano passado feita pelo Departamento de Agricultura dos EUA. Cutrale permanece lucrando enquanto seus concorrentes na Flórida lutam para reverter as perdas causadas por furacões, doenças e três anos de preços em queda, afirma Marty McKenna, presidente do Florida Citrus Mutual, associação que representa 10.400 citricultores americanos. As tarifas impostas em janeiro são apenas um pequeno alívio para as perdas provocadas pelos competidores brasileiros, segundo McKenna, cuja associação liderou as reclamações contra a Cutrale ao Departamento de Comércio americano. A tarifa de 19% pode ser suspensa em 3 anos. “Há uma desconfortável incerteza quando pensamos no futuro. As coisas podem estar bem agora, mas pensando a longo prazo é difícil nos empolgar”, declarou McKenna. Marty McKenna sabe o que significa competir com Cutrale. Ele afirma que desde 2004 foi forçado a vender mais de 15% (40,5 hectares) da propriedade de sua família em Polk County, no cinturão citrícola da Flórida, devido aos prejuízos acumulados. Isso ocorreu no período em que Cutrale estava vendendo suco a preços predatórios no mercado americano, na avaliação do Departamento de Comércio dos EUA. “Nós estávamos com o mercado saturado na mesma época e os brasileiros começaram a trazer grandes quantidades de produto” alega McKenna, que trabalha na empresa de laranja de sua família há 27 anos. Ele possui agora 520 acres de pomares e diz que a competição com os produtores brasileiros torna a expansão de sua produção muito arriscada. McKenna paga aos colhedores de sua propriedade – a maioria imigrantes mexicanos – aproximadamente US$ 100,00 por dia, o equivalente ao pagamento de 12 diárias de um colhedor brasileiro. O departamento de Comércio começou a amenizar o prejuízo dos produtores da Flórida em Agosto do ano passado, com uma manobra legal que fez com que o preço futuro do suco de laranja subisse em dezembro para US$ 1,30 por libra na Bolsa de Nova York – o maior preço em sete anos – após o estrago causado pelos furacões nos pomares da Flórida. Segundo Tom Spreen, do departamento de Alimentos e Recursos Econômicos da Universidade da Flórida, a magnitude de Cutrale, lhe dá poder para influenciar os preços. Spreen foi conselheiro econômico dos produtores de laranja da Flórida durante a ação que culminou com a criação da barreira tarifária ao suco brasileiro. O Brasil produz aproximadamente 1,6 bilhões de galões de suco de laranja concentrado congelado por ano. 99% desta produção é exportada para os EUA, Europa e Ásia, de acordo com o Departamento de Agricultura dos EUA. Os citricultores da Flórida afirmam produzir 1,34 bilhões de galões de suco concentrado e exportar 6% do total. “O tamanho e escopo deles é muito maior do que o da Flórida” segundo Bill Seabrook, analista financeiro da empresa A.G. Edwards & Sons Inc., de Orlando, Flórida. “Cutrale está sendo pressionado a reduzir custos à medida que a concorrência se expande” afirma Tom Spreen. A empresa Citrovita Agroindustrial Ltda., a 3ª maior indústria de suco de laranja do Brasil, aumentou sua produção com a aquisição de fábricas e pomares. Aproximadamente 18% do suco concentrado brasileiro que será produzido este ano será exportado aos EUA, prevê o Departamento de Agricultura americano. No Brasil, Cutrale reduziu seus custos terceirizando o serviço de colheita de 70% das frutas processadas. Antes de 1995, Cutrale empregava os colhedores que supriam suas fábricas, segundo o promotor Ricardo Garcia, e a empresa era responsável pelos salários e benefícios, como plano de saúde e férias remuneradas. Em 1995, os colhedores concordaram em formar cooperativas, saindo assim da folha de pagamento do Cutrale. Hoje em dia, são os citricultores que pagam pela colheita de sua laranja. “Nós somos responsáveis pelo pagamento dos salários e benefícios dos colhedores e o preço pago pela caixa de laranja pelas indústrias não compensa”, afirma Domingos Odair Contreira, citricultor da região de Itápolis. Segundo Ricardo Garcia, a terceirização da colheita permitiu que Cutrale não pagasse horas extras e outros benefícios e a empresa é alvo de 106 ações – número recorde - de trabalhadores e associações, que alegam violações da legislação trabalhista por parte da indústria. Essas ações ainda estão tramitando, afirma Garcia. Desde 1996, promotores brasileiros processaram Cutrale quatro vezes por questões trabalhistas. Em dezembro de 2004, eles ganharam os processos e Cutrale foi obrigado a aceitar a legislação trabalhista. Em 1º de fevereiro, representantes da empresa afirmaram ao promotor que Cutrale seguiria as ordens do juíz, contratando os colhedores que trabalhavam em seus pomares. “Nós queremos estabelecer uma relação direta com os empregados. O que queremos, no momento, é saber o que os promotores querem e atendê-los, pois não queremos mais briga com eles”. No entanto, Ricardo Garcia tem suas dúvidas, uma vez que a ordem judicial foi expedida há mais de um ano e até agora, nada foi feito. Na reunião feita em 1º de fevereiro, Garcia alegou que a proposta feita por Cutrale não acata totalmente a ordem do juíz, de contratar diretamente não apenas os colhedores que trabalham em seus pomares, mas todos os colhedores que trabalham em pomares que fornecem laranja para a indústria. “Ele procurou todas as brechas possíveis para escapar do cumprimento da lei”. Cutrale passou os últimos dois anos se expandindo. Ele comprou uma fábrica e pomares da Cargill Inc., a maior companhia agrícola dos EUA, em julho de 2004. O valor da transação não foi revelado. O setor de exportação de suco no Brasil está dividido entre quatro empresas: Cutrale; Fischer S.A. Agoindústria - a segunda maior; Citrovita; e uma unidade da framcesa Louis Dreyfus & Cie. Não há dados confiáveis a respeito do tamanho de cada uma delas, uma vez que todas são empresas privadas e não divulgam suas informações financeiras. Citricultores afirmam que os processadores têm lucrado mais do que os produtores na expansão. As indústrias utilizam seu poder de compra para manter baixos os preços pagos pela laranja, segundo Joaquim Dragone, que gerencia um pomar de 650 hectares em uma propriedade na região de Araraquara. Ele alega que a empresa Cutrale não tem concorrentes. Uma vez feito um contrato de venda de laranja entre um produtor e uma indústria, é difícil passar a fornecer para outra empresa pois as indústrias evitam contratar fornecedores de suas concorrentes, alega Dragone. “Não é um mercado livre. As indústrias cuidam umas das outras. É uma commodity, mas está concentrada nas mãos de uma única pessoa”, ele diz. Cutrale lucra mesmo tendo que enviar o suco concentrado em navios do porte de cargueiros de petróleo aos EUA, pois os custos com mão-de-obra no Brasil são apenas uma fração do custo nos EUA, segundo Tom Spreen, da Universidade da Flórida. Mesmo com a barreira tarifária de 29% imposta pelos EUA para proteger os citricultores da Flórida, Cutrale continua lucrando com o mercado americano. Numa reclamação feita em 2004 ao Departamendo de Comércio americano, produtores da Flórida alegaram que as indústria de suco brasileiras haviam deprimido o preço do suco durante vários anos. Eles afirmaram que os preços mais baixos trouxeram prejuízos a produtores e indústrias americanas. A Comissão de Comércio Internacional, uma agência independente do governo dos EUA que investiga violações às regras de importações e exportações, decidiu, em 08 de fevereiro, manter a barreira tarifária, julgando que as empresas produtoras de suco do Brasil causaram prejuízos econômicos aos produtores da Flórida. Cutrale não estaria onde está sem a ajuda dos processadores de suco da Flórida, que são seus rivais agora. O negócio de exportações de suco no Brasil teve início em 1962, quando uma geada dizimou os pomares da Flórida. As indústrias processadoras americanas ficaram desesperadas na busca por laranjas e concluíram que o Brasil, com sua abundância de terra e baixo risco de geadas, seria um ótimo local para expandir a produção, segundo Tom Spreen. O pai de José Luis Cutrale foi um produtor que se aproveitou da procura das indústrias americanas por laranjas para substituir a produção destruída na Flórida nos anos 60. Nessa época, o pai de Cutrale administrava os pomares plantados por seu pai, um imigrante italiano, nos arredores de Araraquara. Em 1963, o Brasil exportou suco concentrado pela primeira vez, enviando 5.000 toneladas métricas para os EUA. Na metade da década de 60, José Cutrale havia se transformado em um exportador sem concorrentes. Ele faleceu em 2004. A citricultura brasileira era superada pela americana até a década de 80, quando geadas novamente dizimaram os pomares da Flórida, o que proporcionou a chance de crescimento da Sucocítrico Cutrale e das demais indústrias do Brasil. José Luis Cutrale começou a trabalhar com seu pai aos 15 anos e hoje em dia, passa grande parte de seu tempo visitando clientes nos EUA, Europa e Ásia com o jato da companhia. “Eu parei de estudar para trabalhar no setor citrícola e continuo até hoje”, Cutrale disse em sua entrevista em maio. “Comecei nos pomares, colhendo laranjas”. Seus dois filhos são executivos da empresa. A revista Veja, a maior do Brasil, estimou que a fortuna da família Cutrale deveria ser de US$ 5 bilhões em maio de 2003. O prefeito de Araraquara, Edinho Silva, alega que a família não ostenta sua riqueza e evita publicidade. Aproximadamente três anos atrás, Cutrale concordou em fornecer suco de laranja para 15.000 crianças em um programa escolar, com uma condição, afirma Edinho. Cutrale exigia que a doação fosse confidencial. Cutrale também tem demostrado que entende de política. Em abril de 2002, ele solicitou que Edinho Silva conseguisse um almoço num restaurante de São Paulo com o então candidato à presidência da república, Luís Inácio Lula da Silva. Durante o almoço, Cutrale concordou em oferecer a Lula assessoria sobre como impulsionar o crescimento econômico com exportações. “Cutrale aparentou estar verdadeiramente interessado e apoiou Lula quando ninguém mais do setor o fazia” afirmou o prefeito. Depois deste encontro, Cutrale acompanhou Lula em uma visita a Araraquara. Avelino da Cunha, presidente da união de trabalhadores rurais de Itápolis, afirma que Lula recusou se encontrar com ele e outras líderes de entidades ligadas aos trabalhadores durante suas visitas à região. “Quando Lula estava em campanha para conseguir votos, ele sempre se encontrava conosco em suas visitas à região. Agora ele só quer se encontrar com Cutrale” afirma Avelino. Na Flórida, os líderes de entidades ligadas aos trabalhadores também reclamam da falta de interesse de Cutrale. Quando Cutrale entrou no mercado da Flórida, a fábrica da Minute Maid em Auburndale tinha um recorde de 30 anos sem nenhuma greve. A outra fábrica, em Leesburg não possuía uma união de trabalhadores. Cutrale logo deu início a uma campanha de redução de salários e benefícios na fábrica de Auburndale. Uma funcionária do departamento de recursos humanos da empresa, Sandra Martini, alegou em uma ação trabalhista em julho de 2005 que os executivos da Cutrale a ordenaram que contratasse trabalhadores temporários para preencher vagas reservadas aos membros da união de trabalhadores. Esses novos funcionários deveriam investigar se os trabalhadores efetivos tinham um histórico de solicitar benefícios por desemprego ou invalidez. Esse tipo de pesquisa é ilegal, segundo a legislação trabalhista americana. O advogado de Cutrale, Wayne Helsby, afirma que está aguardando documentos para responder às acusações. A ação ainda está tramitando na justiça. Essas táticas espelham o que Cutrale fez no Brasil, segundo Avelino da Cunha. Uma equipe de inspetores é contratada para detectar possíveis violações nos pomares, tais como evitar a lei que exige que os colhedores recebam, ao menos, o salário mínimo de R$ 300,00, caso não tenham colhido laranjas suficientes para receber esta quantia. Entidades estimam que 40% dos 60.000 colhedores de laranja do estado de São Paulo ganhem menos que o salário mínimo e que metade destes trabalhadores não ganham os benefícios exigidos por lei. Simplício Amorim, o trabalhador de 55 anos que colhia laranjas sob forte chuva, alega ser mal-remunerado. “O trabalho é bom e é o único que consigo arranjar. Eu apenas gostaria de ser pago por ele”, ele declarou ao jornalista. Para conseguir sustentar a família, Simplício, que estudou até a terceira série e nasceu em Alagoas, trabalha junto com a esposa, Marlene da Silva e o filho José da Silva Amorim. Simplício, cujo rosto queimado de sol e enrugado e as costas arqueadas são sinais claros de 15 anos trabalhando nos pomares, acordou às 4:30 da manhã com sua esposa para pegar um ônibus de 30 anos utilizado para transportar os colhedores até o campo. Às 7 da manhã, eles estão trabalhando em três fileiras de árvores de 5 metros de altura, infestadas de moscas e encharcadas pela chuva. Eles passam o dia subindo e descendo de escadas de aço para colher as frutas, apanhadas rapidamente e jogadas em sacolas. Ao meio-dia, eles se sentam sob uma árvore e comem sobras de arroz, feijão preto e tomam café, trazidos de sua casa. O filho do casal, a algumas fileira de distância, diz que espera ainda colher 35 sacolas à tarde. No entanto, no ritmo em que estão, o casal não conseguirá apanhar laranjas suficientes para receber o valor mínimo diário de R$ 12,50. Simplício espera que o empregador pague a diferença exigida pela lei. “Tenho fé de que ele irá pagar”, ele diz. Em outro pomar, a 30 km de distância, Catarina Barbosa Martins está curvada pelo peso de 10 kg de laranjas. Aos 56 anos, ela alega não ter mais forças para colher mais de 25 sacolas por dia. Segunda ela, vem recebendo R$ 150,00 por mês, metade do salário mínimo. Em setembro, inspetores de campo acionaram a empresa de colheita para a qual Catarina trabalha, exigindo o pagamento da diferença. “Eu trabalho o dia todo nestes pomares, subindo e descendo essas escadas, para tentar sustentar meus dois filhos”, ela diz. Enquanto o império de Cutrale cresce, os trabalhadores que o constróem são deixados para trás. Assim como os citricultores da Flórida. Marty McKenna, o citricultor americano que teve que vender 100 acres de sua propriedade nos últimos dois anos, afirma ter perdido sua fé. Segundo ele, Cutrale é difícil de ser vencido. (Crédito: Michael Smith - Bloomberg News)