30/04/2010 Ives Gandra da Silva Martins
O artigo 225 da Constitui??o Federal
esclarece que a preserva??o ambiental ? dever do poder p?blico e da coletividade
e seu par?grafo 1? determina que a discrimina??o de reservas legais e
recupera?es ecol?gicas estejam a cargo apenas do poder p?blico, estando ambos
os dispositivos assim redigidos:
Art. 225. Todos t?m direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial ?
sadia qualidade ele vida, impondo-se ao poder p?blico e ? coletividade o dever
de defend?-lo e preserv?-lo para as presentes e futuras gera?es. 1? Para
assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder p?blico:
I -
preservar e restaurar os processos ecol?gicos essenciais e prover o manejo
ecol?gico das esp?cies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a
integralidade do patrim?nio gen?tico do Pa?s e fiscalizar as entidades dedicadas
? pesquisa e manipula??o de material gen?tico;
III - definir, em todas
as unidades da Federa??o, espa?os territoriais e seus componentes a serem,
especialmente protegidos, sendo a altera??o e a supress?o permitidas somente
atrav?s de lei, vedada qualquer utiliza??o que comprometa a integridade dos
atributos que justifiquem sua prote??o;
IV - exigir, na forma da lei,
para instala??o de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa
degrada??o do meio ambiente, estudo pr?vio de impacto ambiental, a que se dar?
publicidade;
V - controlar a produ??o, a comercializa??o e o emprego de
t?cnicas, m?todos e subst?ncias que comportem risco para a vida, a qualidade de
vida e o meio ambiente;
VI - promover a educa??o ambiental em todos os
n?veis de ensino e a conscientiza??o p?blica para a preserva??o do meio
ambiente;
VII- proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as
pr?ticas que coloquem em risco sua fun??o ecol?gica, provoquem a extin??o de
esp?cies ou submeta os animais a crueldade.
O artigo tem sido lido pelo
poder p?blico, como sendo da responsabilidade exclusiva - nem dele, nem da
coletividade como um todo -, mas apenas de uns poucos propriet?rios a
preserva??o ambiental, assim como a assun??o das limita?es impostas ao uso da
terra pelo poder p?blico.
A MP imp?s ?nus a uma parcela da popula??o
Em outras palavras, as imposi?es da MP n? 1956-50/2000 no que concerne
? preserva??o das reservas legais, como do velho C?digo Florestal, n?o s?o nem
de responsabilidade do poder p?blico, nem da coletividade como um todo, mas
exclusivamente daqueles propriet?rios que exploram ?reas agr?colas, podendo
conforme a regi?o variar de 20% a 80% (floresta amaz?nica).
J? em outro
artigo para o jornal Valor abordei um aspecto da referida medida provis?ria,
tendo-a, por inconstitucional, na parte em que n?o imp?e ao poder p?blico a
responsabilidade por manter a reserva legal, visto que o 1? s? dele cuida e n?o
da coletividade (MP para Amaz?nia ? inconstitucional, jornal Valor, 15/01/2004,
p?gina B2).
Neste artigo, quero abordar um outro aspecto que me parece
relevante, ou seja, o conceito de coletividade.
Nitidamente,
coletividade n?o ? um pequeno n?mero de propriet?rios. Coletividade representa
no pa?s, a comunidade geral, ou seja, 175 milh?es de brasileiros e n?o umas
poucas centenas de milhares de grandes, m?dios e pequenos propriet?rios.
N?o fala, o constituinte, que apenas pequena parte da coletividade
dever? ser respons?vel para a preserva??o do meio ambiente para a humanidade,
para o poder p?blico e para toda a coletividade, mas sim que toda a coletividade
? por ela respons?vel. ? o que est? escrito e ? o que se deve ler.
Ora,
? luz do que est? escrito na Constitui??o, o texto da MP n? 1956-50/2000 ?
inconstitucional, por violar expressamente, o texto do artigo 225 (caput) e 1?
do artigo 225 da Constitui??o Federal, visto que nem imp?s ao poder p?blico
exclusivamente ( 1? ) ou a toda a coletividade (caput) o ?nus da preserva??o
ambiental, mas apenas a parcela pequena da popula??o, obrigando que para o bem
da humanidade, do Brasil, do poder p?blico e de toda a coletividade, alguns
brasileiros ficassem respons?veis exclusivamente pela preserva??o ambiental,
suportando o brutal ?nus de sua preserva??o!
Em nenhum momento, o artigo
225 faculta a leitura acima. Em nenhum momento, introduz diminuta parcela da
popula??o para perder a utiliza??o de seus bens em prol dos outros, sem que os
outros d?em-lhe qualquer contrapartida. Em nenhum momento a Constitui??o
autoriza que o direito ? propriedade (cl?usula p?trea) seja t?o afetado, como na
leitura que o poder p?blico faz do texto supremo para afastar sua
responsabilidade e da coletividade como um todo para transfer?-la apenas para
pouqu?ssima parcela da popula??o a suportar tais ?nus.
? de se lembrar
que mesmo quando o constituinte fala em reforma agr?ria e na propriedade que n?o
cumpre sua fun??o social, a desapropria??o ? indenizada. Que se dizer daquelas
propriedades que cumprem sua fun??o social e t?m o seu uso restringido para o
bem da humanidade, do Brasil, do poder p?blico e da coletividade, sem que seus
propriet?rios recebam qualquer indeniza??o?
Tenho, pois, por
manifestamente inconstitucional o texto da Medida Provis?ria n? 1956-50/2000 que
imp?s o ?nus da preserva??o ambiental, nem ao poder p?blico, nem a coletividade
como um todo, mas apenas a pequena parcela da popula??o sem qualquer indeniza??o
para seus propriet?rios.
Relembro que o Supremo Tribunal Federal j? em
duas ocasi?es admitiu que a lei pode definir ?reas de reserva legal e
preserva??o ambiental, mas com indeniza??o aos que sofrem o ?nus da restri??o,
sendo seus relatores os ?nclitos constitucionalistas Francisco Rezek (Recurso
Especial 100.717-6-SP, Di?rio da Justi?a 10/02/84) e Jos? Celso de Mello
(Recurso Especial 134.297-8-SP, Di?rio da Justi?a 22/09/95). Parece-me ser a
intelig?ncia dos eminentes magistrados, indiscutivelmente, a de maior bom senso.
Ives Gandra da Silva Martins ? professor em?rito da Universidade
Mackenzie e presidente do Conselho de Estudos Jur?dicos da Federa??o do Com?rcio
do Estado de S?o Paulo.
E-mail: ivesgandra@gandramartins.adv.br
Valor Economico
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