15/06/2010 NA AGRICULTURA DENTRO-DA-PORTEIRA
(o agroneg?cio est? matando a agricultura? que fim levaram os fazendeiros americanos?)
Autor: Prof. Pesquisador Brian Halweil do WWI Worldwatch Institute em 2000
(adapta??o: prof. Cl?maco C?zar ? AGROVISION Bras?lia)
CONCENTRA?AO
Hoje em dia, a maioria de n?s nos pa?ses industrializados n?o se dedica ? lavoura, portanto n?o
conhecemos realmente este modo de vida. Nasci na regi?o macieira e leiteira do Condado de
Dutchess, Nova Iorque, mas desde os cinco anos de idade vivi a maior parte da minha vida na Cidade
de Nova Iorque, enquanto a maioria das fazendas do Condado de Dutchess se subdividiam. Tamb?m
? dif?cil para n?s - que obtemos nossos alimentos das prateleiras dos supermercados, ou janelas
?drive-thru? - perceber o nosso grau de depend?ncia da viabilidade das comunidades rurais.
Seja no mundo industrializado - onde as comunidades agr?colas est?o envelhecendo e se esvaziando -
ou nos pa?ses em desenvolvimento onde o crescimento populacional est? elevando cada vez mais o
n?mero de lavradores em cada gera??o herdando lotes menores ? cada vez mais dif?cil tirar o
sustento da agricultura. Uma combina??o de decl?nio de renda, eleva??o de d?vida e agravamento da
pobreza rural, est? for?ando mais pessoas a abandonarem a lavoura como atividade principal, ou o
pr?prio campo ? uma encruzilhada desnorteante, considerando que os fazendeiros produzem o ?nico
bem do qual a ra?a humana n?o pode se privar.
Desde 1950, o n?mero de pessoas empregadas na agricultura despencou em todos os pa?ses
industrializados, chegando a quase 80% em algumas regi?es. Analisando os n?meros pode-se pensar
que os fazendeiros est?o sendo selecionados por algum tipo de v?rus.
Vejamos:
No Jap?o, mais da metade dos fazendeiros tem mais de 65 anos de idade;
Nos Estados Unidos, a rela??o dos fazendeiros com mais de 65 anos para os que est?o abaixo de
35 ? de tr?s por um (na aposentadoria ou morte, muitos passar?o a fazenda para filhos que vivem
na cidade e n?o t?m interesse na agricultura);
Na Nova Zel?ndia, as autoridades calculam que 6.000 fazendas de gado leiteiro desaparecer?o nos
pr?ximos 10 a 15 anos ? reduzindo o n?mero total em quase 40%;
Na Pol?nia, 1,8 milh?es de fazendas podem desaparecer ? medida que a na??o ? absorvida pela
Uni?o Europ?ia ? reduzindo o n?mero total em 90%;
Na Su?cia, o n?mero de fazendas que se extinguir?o na pr?xima d?cada dever? alcan?ar cerca de
50%;
Nas Filipinas, a Oxfam calcula que nos pr?ximos anos o n?mero de fam?lias agr?colas na regi?o
produtora de milho, em Mindanao, poder? sofrer um decl?nio de aproximadamente 500.000, uma
perda de 50%;
Nos Estados Unidos, onde a maior parte da popula??o era agr?cola na ocasi?o da Revolu??o
Americana, h? menos pessoas hoje se dedicando integralmente ? agricultura (menos de 1% da
popula??o) do que existem de presidi?rios em tempo integral;
Nos estados norte-americanos de Nebraska e Iowa, entre um quinto e um ter?o dos fazendeiros
estar?o falidos dentro de dois anos.
Naturalmente, os n?meros declinantes de fazendeiros nas na?es industrializadas n?o significam
uma redu??o da import?ncia do setor agr?cola.
O mundo ainda precisa comer (s?o 80 milh?es mais de
bocas para alimentar a cada ano), portanto n?mero menor de fazendeiros significa maiores fazendas
e maior concentra??o de posse. Apesar de uma queda vertiginosa no n?mero de pessoas empregadas
na agricultura da Am?rica do Norte, Europa e ?sia Oriental, metade da popula??o mundial ainda retira
seu sustento da terra.
Na ?frica sub-saariana e no Sul da ?sia, mais de 70% o fazem. Nestas regi?es,
a agricultura representa, em m?dia, metade da atividade econ?mica total.
Ironicamente, ? medida que as fazendas americanas se tornaram mais mecanizadas e mais
?produtivas,? um ?ciclo de retorno? auto-destrutivo foi colocado em movimento: o excesso de oferta e
pre?os declinantes corroeram os lucros dos fazendeiros, alimentando uma demanda por mais
tecnologia destinada a compensar margens de lucro reduzidas, aumentando os volumes ainda mais. A
produ??o aumentou dramaticamente, por?m as despesas (com tratores, colheitadeiras/trilhadeiras
combinadas, fertilizantes e sementes) tamb?m dispararam, enquanto os pre?os das commodities
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estagnaram ou ca?ram. Mesmo enquanto buscavam mais e mais moderniza??o, os fazendeiros se
tornavam menos e menos senhores de seus pr?prios dom?nios.
Numa fazenda t?pica de Iowa, a margem de lucro do fazendeiro caiu de 35% em 1950 para
9% hoje. A fim de gerar a mesma receita, esta fazenda teria que ser aproximadamente quatro vezes
maior hoje do que em 1950, ou ent?o o fazendeiro precisaria pegar um trabalho noturno. E isto ?
exatamente o que vemos na maioria dos pa?ses industrializados: menos fazendeiros em maiores
extens?es de terra produzindo uma parcela maior do suprimento total de alimentos. O fazendeiro
com margens declinantes compra a terra do vizinho e amplia, ou arrisca-se a ser, ele
mesmo, canibalizado.
H? uma alternativa para essa expans?o gigantesca, que ? reverter a tend?ncia e trazer parte do
suprimento de insumos e processamento p?s-colheita ? e seus lucros correspondentes ? de volta ?
fazenda. Por?m, mais lavouras auto-suficientes seriam altamente impopulares para as
ind?strias que hoje obt?m altos lucros com insumos e processamento. E uma vez que estas
ind?strias t?m muito mais for?a pol?tica do que os fazendeiros, h? pouco apoio para tirar os
fazendeiros das suas condi?es cada vez mais servis ? e essa id?ia praticamente j? caiu no
esquecimento. Os fazendeiros continuam a perceber que o ?nico caminho para o sucesso ? se tornar
grande.
A explica??o tradicional para essa press?o constante de ?crescer ou dar o fora? ? o que torna a rede
aliment?cia mais eficiente ? maiores fazendas substituem as menores, uma vez que as maiores
operam a custos mais baixos. Sob certos aspectos, isto ? verdade. A expans?o permite que o
fazendeiro dilua o custo de um trator por uma ?rea maior, por exemplo. Um porte maior tamb?m
significa maior alavancagem na compra de insumos ou na negocia??o de cr?dito, cada vez mais
importante quando colheitadeiras combinadas e outros equipamentos orientados por sat?lite tornam a
agricultura mais intensiva em capital. Por?m, essas economias de escala caracteristicamente se
estabilizam. Dados para uma variedade de produtos cultivados nos Estados Unidos mostram
que os custos de produ??o mais baixos s?o geralmente alcan?ados em fazendas bem
menores do que a fazenda t?pica de hoje. Mas as grandes fazendas podem suportar
margens menores e assim, embora n?o produzam a custo menor t?m condi?es de vender a
um pre?o menor, se a isto forem for?adas, como realmente o s?o pelos processadores de
alimentos que adquirem seus produtos. Em suma, na medida em que uma fazenda gigante tem
benef?cio financeiro sobre uma pequena, ? um benef?cio que s? favorece o processador, e
n?o o fazendeiro, a comunidade agr?cola ou o meio-ambiente.
Esta sa?da do d?lar aliment?cio dos fazendeiros ? agravada pelas concentra?es intensas em cada elo
da cadeia aliment?cia, desde as sementes e herbicidas at? o cr?dito agr?cola e o varejo. No Canad?,
por exemplo, apenas tr?s empresas controlam mais de 70% das vendas de fertilizantes, cinco bancos
oferecem a grande maioria do cr?dito agr?cola, duas empresas controlam mais de 70% dos frigor?ficos
de carne e cinco empresas dominam o varejo de produtos aliment?cios. A fus?o da Philip Morris e
Nabisco criou um imp?rio que recolher? quase 10 centavos de cada d?lar que um consumidor gasta
em alimentos, de acordo com um porta-voz de uma empresa. Tal concentra??o pode ser mortal para
as bases, permitindo que as empresas de agroneg?cios obtenham pre?os mais altos pelos produtos
que os fazendeiros adquirem delas, enquanto ofertam pre?os menores pelos produtos que adquirem
dos fazendeiros.
Uma forma de concentra??o ainda mais preocupante, de acordo com Bill Heffernan, um soci?logo
rural da Universidade de Missouri, ? o surgimento de v?rios grupos de empresas que, atrav?s de
fus?es, aquisi?es e alian?as com outros elos da cadeia aliment?cia, possuem hoje um ?controle
incons?til e totalmente verticalizado da rede aliment?cia, desde o gene at? a prateleira do
supermercado.? Consideremos a parceria recente entre Monsanto e Cargill que controla sementes,
fertilizantes, pesticidas, cr?dito agr?cola, colheita e processamento de gr?os, processamento de ra??o
animal, pecu?ria e abate, como tamb?m algumas marcas famosas de alimentos processados. Do
ponto de vista de uma empresa como a Cargill, tais alian?as geram um controle tremendo sobre os
custos e assim s?o extremamente lucrativas.
Mas, imaginemos que voc? ? o fazendeiro. Quer comprar sementes para cultivar milho? Se a Cargill
for o ?nico comprador de milho num raio de 160 quil?metros, e s? compra uma variedade espec?fica
de milho Monsanto para suas f?bricas, silos ou forragem, ent?o se voc? n?o plantar a semente
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Monsanto n?o ter? mercado para seu milho.
Precisa de um empr?stimo para comprar a semente? V?
ao Banco de Ellsworth (que pertence ? Cargill), mas n?o deixe de informar que semente estar?
comprando. Mencione tamb?m que ir? comprar o fertilizante da marca Saskferco, da Cargill.
Tudo
bem, mas se quando o milho ? cultivado voc? n?o estiver propenso a vender ao pre?o ditado pela
Cargill? Bem, a? talvez voc? alimente os porcos com o milho, vendendo-os a quem pagar mais. Sem
problema, a Excel Corporation, da Cargill, tamb?m compra porcos. OK, voc? vai mudar para a cidade
e abandonar a agricultura. N?o mais aqueles gr?os grossos no caf? da manh?, voc? agora compra
flocos de milho.
Boa not?cia: a Cargill Foods fornece a farinha de milho para os fabricantes das principais marcas de
cereais. Voc? notar?, entretanto, que todas as grandes marcas t?m o mesmo alto pre?o, por on?a.
Afinal, s?o todas fabricadas pelo oligop?lio agr?cola.
? medida que esses conglomerados aliment?cios verticais se consolidam, alerta Heffernan, ?sobra
pouco espa?o na rede aliment?cia global para os fazendeiros independentes? e para quem cada vez
mais sobram os contratos ?pegue ou largue? dos conglomerados. Nas duas ?ltimas d?cadas, por
exemplo, a parcela do produto agr?cola norte-americano produzida sob contrato mais que triplicou, de
10% para 35% e isto n?o inclui os contratos que os fazendeiros s?o obrigados a assinar para o plantio
de sementes geneticamente modificadas. Este controle centralizado da rede aliment?cia, na qual os
fazendeiros na realidade s?o reduzidos a servos em suas pr?prias glebas, traz ? mente de Heffernan
as fazendas estatais russas, mas com o papel do Grande Irm?o sendo hoje desempenhado pelos
executivos do agroneg?cio.
? tamb?m reminiscente do ?armaz?m da companhia? que outrora predominava nas pequenas cidades
industriais ou mineiras americanas, com a exce??o que, se hoje voc? mudar de cidade, o armaz?m
continua com voc?. O armaz?m da companhia globalizou-se. Com os conglomerados, donos do
d?lar aliment?cio e tamb?m possuidores da for?a pol?tica, n?o ? surpresa que a pol?tica
agr?cola, incluindo subs?dios, incentivos fiscais e legisla??o ambiental tanto em n?vel
nacional quanto internacional n?o favore?a em geral ?s fazendas. Por exemplo, os
conglomerados det?m uma influ?ncia crescente sobre as prioridades de pesquisa agr?cola, tanto
privada quanto p?blica, o que pode explicar porque o Departamento de Agricultura dos Estados
Unidos (USDA), um ?rg?o aparentemente compromissado com os fazendeiros, ajudou a desenvolver a
tecnologia ?Terminator? de esteriliza??o de sementes ? uma biotecnologia que apenas proporciona aos
fazendeiros maior depend?ncia dos fornecedores de sementes. Em alguns casos, a influ?ncia ?
indireta, como demonstrado nas decis?es de financiamento governamental, enquanto em outros ?
mais ?bvia. Quando a Novartis forneceu US$ 25 milh?es para financiar uma parceria de pesquisa com
o departamento de biologia vegetal da Universidade da Calif?rnia, em Berkeley, uma das condi?es foi
que a Novartis teria o primeiro direito de recusa para qualquer inven??o patente?vel.
Nestas
condi?es, naturalmente, as autoridades da UC ? conscientes de onde v?m seus recursos ? tiveram
grande motiva??o para dedicar mais aten??o a tecnologias como a da semente ?terminator,? que
retira o lucro do fazendeiro, do que para tecnologias que beneficiem diretamente o fazendeiro ou o
p?blico em geral.
Tr?s conglomerados (ConAgra/DuPont, Cargill/Monsanto e Novartis/ADM dominam praticamente cada elo da cadeia
aliment?cia norte-americana (e cada vez mais a global). Segue abaixo um diagrama simplificado de um conglomerado:
LEGENDA: Integra??o vertical dos elos de produ??o, da semente ao supermercado ? Concentra??o dentro de um elo
INSUMOS
Distribui??o de produtos qu?micos
agr?colas, maquin?rio, adubo e
sementes
3 empresas dominam o setor de mecaniza??o agr?cola norte-americano
6 empresas det?m 63% do mercado global de pesticidas
4 empresas det?m 69% do mercado de semente de milho nos EUA
3 empresas det?m 71% da capacidade de adubo nitrogenado canadense
ConAgra distribui todos estes insumos e t?m uma ?joint-venture? com a DuPont para a
distribui??o da semente transg?nica de milho com alto teor de ?leo, da DuPont
FAZENDAS
O setor agr?cola est? se consolidando rapidamente no mundo industrializado, ? medida
que as fazendas ?ou crescem ou d?o o fora.?
Muitas firmam contrato com o ConAgra
e outros conglomerados; outras sucumbem. Nos ?ltimos 50 anos, o n?mero de
fazendeiros caiu em 86% na Alemanha, 85% na Fran?a, 85% no Jap?o, 64% nos EUA,
59% na Cor?ia do Sul e 59% no Reino Unido.
COLHEITA DE GR?OS
Uma fus?o planejada da Cargil e Continental Grain ir? controlar metade do com?rcio mundial de gr?os; ConAgra det?m cerca de um quarto.
MOAGEM DE GR?OS
ConAgra e 3 outras empresas representam 62% do mercado norte-americano.
PRODU??O DE CARNE DE BOI, PORCO, PERU, FRANGO E
FRUTOS DO MAR
ConAgra ocupa o 3o lugar em ra??o animal e 5o em produtos para assar
ConAgra Poultry, Tyson Foods, Perdue e 3 outras empresas controlam 60% de toda a
produ??o de frangos nos Estados Unidos
PROCESSAMENTO DE CARNE
DE BOI, PORCO, PERU,
FRANGO E FRUTOS DO MAR
IBP, ConAgra, Cargill e Farmland controlam 80% do processamento de carne bovina
nos Estados Unidos
Smithfield, ConAgra e 3 outras empresas controlam 75% do processamento de carne
su?na nos Estados Unidos
SUPERMERCADOS
As divis?es do ConAgra det?m o controle do ?leo Wesson, peru Butterball, carnes
Swift Premium, manteiga de amendoim Peter Pan, alimentos diet?ticos Healthy
Choice, molho de tomate Hunt e cerca de 75 outras grandes marcas.
A capacidade do agroneg?cio de deslizar em torno do planeta, comprando ao pre?o mais
baixo poss?vel e vendendo ao mais alto, ajudou a aumentar o aperto j? estabelecido pela
marginaliza??o econ?mica, lan?ando todos os fazendeiros do planeta numa concorr?ncia
direta entre si. Uma avalia??o recente da Organiza??o de Alimentos e Agricultura das
Na?es Unidas (FAO) sobre a experi?ncia de 16 na?es em desenvolvimento na implementa??o da
?ltima fase do GATT, concluiu que ?uma preocupa??o comum foi a tend?ncia geral em dire??o ?
concentra??o de fazendas,? um processo que tende a marginalizar ainda mais os pequenos produtores
e a agravar a pobreza e o desemprego rural. A triste ironia, de acordo com Thomas Reardon, da
Universidade do Estado de Michigan, ? que enquanto os pequenos produtores em todas as partes do
mundo est?o sendo cada vez mais afetados pela importa??o de alimentos baratos, altamente
subsidiados, de fora de seus mercados rurais tradicionais, s?o tamb?m exclu?dos da oportunidade
deles mesmos participarem das exporta?es de alimentos. A fim de manter os custos comerciais
baixos e a uniformidade do processamento, os exportadores e outros atores secund?rios preferem
comprar de poucos grandes produtores, ao inv?s de muitos pequenos produtores.
? medida que a rede aliment?cia global se torna cada vez mais dominada por um punhado de
corpora?es internacionais, verticalmente integradas, a servid?o do fazendeiro aponta para uma
servid?o social mais ampla, que os cart?is dos alimentos, ? semelhan?a da OPEP, podem impor,
atrav?s do seu controle sobre os pre?os e qualidade dos alimentos. Economistas agr?colas j?
observaram que o distanciamento crescente entre os pre?os dos alimentos no varejo e na
fazenda, durante a d?cada de 90 foi quase que exclusivamente devido ? explora??o do
poder de mercado e n?o aos servi?os extras fornecidos pelos processadores e varejistas. ?
question?vel se deveremos pagar tanto para uma embalagem do p?o quanto para os nutrientes que
cont?m. Al?m disto, h? uma quest?o mais fundamental. Os fazendeiros s?o profissionais, com extenso
conhecimento de seus solos, clima, vegeta??o nativa, fontes de fertilizante ou compostos org?nicos,
polinizadores nativos, ecologia e comunidade.
Se ? que teremos um mundo onde a terra n?o ? mais
manejada por estes profissionais e sim gerida por burocracias corporativas distantes, interessadas em
extrair o m?ximo de produ??o a um m?nimo de custo, que tipo de alimentos teremos, e a que pre?o?
No Centro-Oeste dos Estados Unidos, ? medida que as dimens?es das fazendas aumentaram os
sistemas de cultivo se tornaram mais simplificados. Desde 1972, o n?mero de condados com mais de
55% de sua ?rea cultivada com milho e soja quase triplicou, de 97 para 267 acres. ? medida que
aumentavam, a maior simplicidade de manejo da rota??o milho-soja (uma fazenda de 800 acres, por
exemplo, n?o requer mais de duas semanas de plantio na primavera e umas poucas semanas de
colheita no outono) tornou-se seu principal argumento de venda. Os v?rios ramos da economia
agr?cola na regi?o, desde servi?os de extens?o aos silos supridores de sementes, come?aram a se
solidificar em torno dessa rota??o milho-soja, refor?ando o movimento dos fazendeiros para fora de
outras lavouras. Reduziram-se cada vez mais os criadores, pois a carne bovina e su?na eram
?econ?micas? apenas em outras partes do pa?s onde se concentravam mais. A sa?da da pecu?ria
significou o abandono do trevo, mistura de pastos e uma fonte chave de adubo no Centro-Oeste, e
criou tremendas concentra?es de esterco em outros locais.
Por?m, a rota??o do milho e da soja ? uma monocultura seguida da outra ? ? extremamente
ineficiente ou ?vazadora? em seu uso de fertilizantes aplicados, uma vez que o baixo n?vel de
biodiversidade tende a deixar v?rios nichos vazios no campo, incluindo diferente profundidades de
ra?zes e diferentes prefer?ncias de nutrientes. Ademais, a mudan?a no Centro-Oeste para a
monocultura submeteu o pa?s a um ataque duplo de polui??o por nitrog?nio, uma vez que n?o apenas
a remo??o e concentra??o do gado tendem a depositar enormes quantidades de fezes nas ?reas
(como Utah e Carolina do Norte) onde hoje se desenvolve a pecu?ria, mas tamb?m as monoculturas
que ficam no Centro-Oeste ret?m muito menos nitrog?nio do que reteriam, caso sua lavoura fosse
mais complexa. (A adi??o de apenas uma cultura de centeio no inverno ? rota??o milho-soja, reduz o
escoamento do nitrog?nio em quase 50%)
E talvez este desastre em potencial devesse ser realmente considerado como um ataque triplo pois,
al?m de contaminar os mananciais do Centro-Oeste, o escoamento acaba no Golfo do M?xico, onde o
nitrog?nio alimenta efloresc?ncias maci?as de algas marinhas. Quando as algas morrem, s?o
decompostas por bact?rias cuja respira??o exaure o oxig?nio da ?gua, sufocando os peixes,
crust?ceos e todas as outras formas de vida.
Este processo torna, periodicamente, 20.000 quil?metros
quadrados do mar no litoral da Louisiana biologicamente mortos. Assim, o ato de simplificar a ecologia
de um campo em Iowa pode contribuir para poluir dramaticamente Utah, Carolina do Norte, Louisiana
e Iowa.
Talvez mais surpreendente para as pessoas, que apenas casualmente acompanharam o debate sobre
os valores da pequena fazenda versus a ?efici?ncia? da fazenda-f?brica, seja o fato que uma vasta
gama de evid?ncias demonstra que as pequenas fazendas s?o, na realidade, mais
produtivas do que as grandes, chegando at? a 200/1.000% de maior produ??o por unidade
de ?rea. Como ? que isto se harmoniza com as alardeadas vantagens de produtividade das atividades
mecanizadas, de grande escala? A resposta ? simplesmente que estas vantagens s?o sempre
calculadas na base do quanto de uma lavoura a terra produzir? por acre. Entretanto, a maior
produtividade de uma fazenda menor, mais complexa, ? calculada na base de quanto alimento em
geral ? produzido por acre. A fazenda menor pode cultivar v?rias lavouras utilizando diferentes
profundidades de ra?zes, altura das plantas ou nutrientes, na mesma ?rea de terra simultaneamente.
? esta ?policultura? que d? a vantagem de produtividade ? pequena fazenda.
A fim de ilustrar a diferen?a entre essas duas medidas, consideremos uma grande fazenda de milho
do Centro-Oeste. Esta fazenda pode produzir mais milho por acre do que uma pequena propriedade,
onde o milho ? cultivado como parte de uma policultura que tamb?m inclui feij?o, ab?bora, batata e
ervas que servem para ra??o. Por?m, em produto global, a policultura ? sob estreita
supervis?o de um fazendeiro experiente ? produz muito mais alimento, seja medido por
peso, volume, bushels, calorias ou d?lares.
A rela??o inversa entre o porte da fazenda e o produto pode ser atribu?da ao uso mais eficiente da
terra, ?gua e outros recursos agr?colas das quais a pequena fazenda disp?e, inclusive as efici?ncias do
intercultivo de v?rios vegetais na mesma ?rea, com plantios m?ltiplos durante o ano, estabelecendo
metas de irriga??o e integrando a agropecu?ria. Assim, em termos de convers?o de insumos em
produtos, a sociedade se daria melhor com fazendeiros em pequena escala. E ? medida que a
popula??o continua a crescer em muitos pa?ses e os recursos agr?colas continuam a
encolher, uma pequena estrutura de cultivo pode ser fundamental para o atendimento das
necessidades futuras de alimentos.
INTEGRA??O
? medida que os fazendeiros se tornam cada vez mais integrados ? cadeia aliment?cia do agroneg?cio,
exercem cada vez menos controle sobre a totalidade do processo produtivo ? assumindo mais e mais
uma fun??o de ?aplicadores de tecnologia? ao inv?s de gestores tomando decis?es abalizadas e
independentes. Pesquisas recentes do USDA junto a avicultores sob contrato nos Estados Unidos
constataram que ao procurar assessoria externa para suas atividades, estes criadores hoje se voltam
primeiramente para os banqueiros e depois para as corpora?es que det?m seus contratos. Caso a
corpora??o contratante seja a mesma empresa vendedora da semente e fertilizante, como ocorre
freq?entemente, h? uma grande possibilidade dos procedimentos da empresa serem seguidos.
Essa corpora??o, como um empreendimento global sem maiores compromissos locais, estar? tamb?m
menos preocupada com a polui??o e degrada??o de recursos criadas por tais procedimentos, pelo
menos em compara??o a um fazendeiro radicado na comunidade. Contratos de produtores geralmente
n?o assumem responsabilidades ambientais.
A biodiversidade agr?cola do mundo ? a ap?lice de seguro final contra varia?es clim?ticas, surtos de
pragas e outras amea?as imprevis?veis ? seguran?a aliment?cia ? depende em grande parte dos
milh?es de pequenos fazendeiros que utilizam essa diversidade em seus ambientes locais de cultivo.
Por?m, a marginaliza??o dos fazendeiros que desenvolveram ou herdaram sistemas agr?colas
complexos durante v?rias gera?es, significa muito mais do que apenas a perda de variedades
espec?ficas de culturas e do conhecimento de como podem ser melhor cultivadas. ?Perdemos para
sempre o melhor conhecimento e experi?ncia dispon?veis de locais, inclusive o que fazer com terras
marginais inadequadas para produ??o industrial,? diz Steve Gleissman, um agro-ec?logo da
Universidade da Calif?rnia, em Santa Cruz. Os 12 milh?es de porcos criados pela Smithfield Foods
Inc., maior produtora e processadora de su?nos do mundo e pioneira na integra??o vertical, s?o quase
geneticamente id?nticos e criados sob condi?es id?nticas ? independentemente de estarem num
confinamento da Smithfield em Virginia ou no M?xico.
E h? a contamina??o ecol?gica caracter?stica da agricultura industrial em larga escala.
Atividades
colossais de confinamento de gado ? aqueles ?outros locais? onde o gado fica concentrado quando n?o
s?o mais vistos nas fazendas de soja e milho do Centro-Oeste ? constituem talvez o exemplo mais
flagrante de uma agricultura que, como uma barca?a de lixo numa lagoa de peixinhos, ultrapassam a
escala que um ecossistema pode suportar. Os confinamentos s?o cada vez mais a norma na pecu?ria
pois, da mesma forma que a monocultura, viabilizam a produ??o de imensas popula?es de gado que
pode ser abatido e comercializado a custos baix?ssimos. Mas a desconex?o entre o gado e a terra
utilizada para produzir sua ra??o significa que tais confinamentos geram volumes gigantescos de
despejo que o solo n?o pode absorver. (Uma fazenda em Utah cria mais de cinco milh?es de porcos
num ano, gerando o mesmo lixo di?rio que a cidade de Los Angeles.) O lixo ? geralmente depositado
em grandes lagoas que tendem a vazar e at? mesmo transbordar durante tempestades fortes.
Da
Carolina do Norte at? a Cor?ia do Sul, o fedor insuport?vel dessas lagoas ? uma combina??o de
sulfeto de hidrog?nio, am?nia e g?s metano, que cheira a ovo podre ? torna quil?metros de ?reas
circunvizinhas inabit?veis.
Recente (maio/2010) a Justi?a americana e USDA resolveram debater e aprimorar o Sistema
integrado de produ??o (AVISITE). Para eles, a produ??o atual ? baixa, os pre?os onerosos e remota a
possibilidade de melhorar as condi?es dos contratos. Ser? que o avicultor est? enfrentando
pr?ticas anti-concorrenciais por parte das grandes integradoras ou ele ?, apenas, mais uma
das in?meras v?timas da recess?o econ?mica que atinge o pa?s? A indaga??o est? sendo
levantada de norte a sul dos EUA. Tanto que o Departamento de Agricultura (USDA) se
prop?s a avaliar o assunto e, inclusive, revelou-se disposto a elaborar uma nova e mais
moderna.
Mas parece que isso n?o est? sendo suficiente, pois quem tamb?m entrou na hist?ria foi o
Departamento de Justi?a, que, juntamente com o USDA, vem realizando uma s?rie de audi?ncias
p?blicas com a finalidade de avaliar a realidade dos fatos. Haver? 5 audi?ncias p?blicas
programadas. Conforme um comunicado conjunto do USDA e do Departamento de Justi?a,
?a meta dessas audi?ncias ? promover o di?logo entre as partes interessadas e conhecer o
processo [de integra??o] em rela??o aos aspectos legais e econ?micos?.
Do primeiro encontro participaram cerca de 700 produtores, representantes de grandes empresas e
especialistas agr?colas. A expectativa ? a de que o n?mero de participantes v? aumentando ? medida
que ocorram novas audi?ncias.
Assim, percebe-se que os EUA preparam novas normas para sistema integrado de carnes
(AVISITE). Tal Regulamento ? encarado como teste para Obama, pois pode interferir na
competitividade da ind?stria da carne.
Tais normas s?o ansiosamente aguardada por criadores, dirigentes das ind?strias de carne e at?
mesmo por ativistas envolvidos na quest?o, uma nova proposta de legisla??o em torno do sistema
integrado norte-americano deve ser submetida a consulta p?blica pelo governo dos EUA at? junho
pr?ximo. Equivocadamente chamada de ?nova norma antitruste?, a legisla??o em prepara??o apenas
pretende harmonizar as rela?es entre empresas integradoras e integrados, frequentes vezes
questionadas nos ?ltimos tempos.
Falando sobre o assunto e observando que as novas normas j? devem entrar em vigor no
decorrer do segundo semestre deste ano, a ag?ncia de not?cias Associated Press (AP)
comenta que o novo regulamento vem sendo encarado como uma esp?cie de teste para a
administra??o Obama, pois pode interferir na competitividade da ind?stria da carne.
Em ess?ncia, o que vai ser definido ? o poder dos criadores que produzem bovinos, su?nos e frangos
para as grandes companhias (ou, como cita a AP, empresas como JBS, Smithfiel e Tyson).
Nesse
sentido, as novas regras devem definir como ser?o as opera?es de compra de animais
vivos no mercado aberto e quanto as empresas integradoras podem exigir de seus
integrados em termos, por exemplo, de investimentos na amplia??o ou moderniza??o de
instala?es.
A proposta de nova legisla??o n?o chega a ser novidade. A Lei Agr?cola (Farm Bill) de 2008 j?
determinava a atualiza??o da legisla??o. Mas deixou a normatiza??o a cargo do Departamento de
Agricultura que s? agora, sob press?o, procura atender ao que a lei determina.
Segundo a AP, hoje, 80% da carne bovina produzida nos EUA s?o adquiridos e abatidos por apenas
quatro empresas, o que limita a competi??o na ind?stria de carnes. Por outro lado, as grandes
ind?strias av?colas v?m n?o s? ditando os pre?os do frango, mas tamb?m obrigando os criadores a
assumir d?vidas visando a um ?up-grade? de seus galp?es, ?medida que s? beneficia as grandes
ind?strias?.
Richard Lobb, porta-voz do National Chicken Council, a entidade das empresas av?colas norteamericanas,
afirma que a moderniza??o das instala?es beneficia n?o s? as ind?strias, mas
tamb?m os criadores, pois aumenta a produtividade do plantel, possibilitando que as aves
adquiram mais peso e que mais lotes sejam criados no decorrer do ano. Mas um produtor
contesta, observando que mais de 80% dos benef?cios da moderniza??o v?o para a
integra??o, n?o para o integrado.
Adapta??o em 09 de junho de 2010
Prof. Climaco Cezar
AGROVISION - Bras?lia
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