15/07/2010 Fonte: Revista Rural
Acompanhe abaixo a entrevista do presidente da
Associtrus (Associa??o Brasileira de Citricultores), Fl?vio Viegas, publicada na
edi??o 147 (maio/2010) da Revista Rural.
Existe cartel, sim senhor!
Os citricultores est?o tendo dificuldades crescentes para rolar as d?vidas e muitos
est?o entrando em processo de fal?ncia. ? digno de nota de que o Tribunal de
Justi?a de S?o Paulo, numa decis?o in?dita, concedeu a recupera??o judicial para
um citricultor de Jales, SP. Quem conta isso ? o presidente da Associa??o
Brasileira de Citricultura, Fl?vio de Carvalho Pinto Viegas. Em entrevista
exclusiva concedida aos rep?rteres da Revista Rural, F?bio Moitinho e F?tima
Costa.
1) Primeiramente, gostaria de saber sobre dados da Associa??o. Quantos
produtores existem hoje no Brasil? E como est? a produ??o anual? E desde quando
a Associtrus existe?
A Associtrus foi criada em 1974 e teve um papel
important?ssimo na organiza??o dos produtores. No final da d?cada de 90 sofreu
um processo de esvaziamento e foi reorganizada em 2003. Estima-se que existam no
Brasil mais de 60 mil produtores de citros, a maioria ? constitu?da de pequenos
produtores.
2) Em algumas entrevistas, o senhor mencionou que nos ?ltimos cincos
anos houve uma redu??o no n?mero de produtores. Em quanto est? essa redu??o
atualmente? Estima-se que possa se reduzir ainda mais nos pr?ximos cinco anos?
No estado de S?o Paulo, onde se concentra cerca de 80% da produ??o brasileira de
citros, havia cerca de 30 mil citricultores em meados da d?cada de 90, hoje se
estima que a produ??o est? nas m?os de apenas 8 mil citricultores. Se n?o houver
uma regula??o do setor poderemos chegar ao ponto de reduzirmos o setor aos
pomares da industria e dos 200 citricultores ?amigos?, como comentou h? alguns
anos o ex-presidente da Abecitrus.
3) Um dos fatores preponderantes para essa
redu??o, al?m dos baixos pre?os por caixa de laranja, tamb?m est? relacionado o
alto custo para a produ??o c?trica no Pa?s. Quanto est? a m?dia de custo para a
produ??o de uma caixa de laranja, baseando-se no Estado de S?o Paulo, que ? o
maior produtor citr?cola do Pa?s?
A Conab est? desde 2005 acompanhando o custo
de produ??o de laranja em S?o Paulo e o modelo de pomar utilizado para o c?lculo
de custo ? um m?dulo de 100 ha. com 400 ?rvores por ha. com uma produtividade de
716 cx/ha. Para este modelo o custo recalculado para maio de 2010 est? em
R$13,90. Estudos feitos pelo CEPEA em pomares de grandes produtores confirmam
que os custos de produ??o, mesmo para os grandes produtores, est?o na faixa dos
R$13,90 a R$17,00.
4) ? justo o custo com o manejo fitossanit?rio na lavoura que
est? o maior peso para a produ??o? O greening ? o grande vil?o dessa hist?ria?
Que outros males mais que vem assolando a atividade?
Historicamente o item de
maior peso no custo de produ??o ? o manejo fitossanit?rio e o ?greening? veio
agravar este quadro. Al?m do ?greening?, a citricultura enfrenta a leprose, a
CVC, a pinta preta, a ?estrelinha?, o ?fur?o?, a larva minadora, o cancro
c?trico, etc.
5) Como os produtores est?o vendo o fato de que agora eles mesmos
t?m de fazer a inspe??o de greening nos pomares por conta pr?pria?
Em primeiro
lugar, o Fundecitrus vinha atuando como fiscal e n?o como inspetor. Conseguiu
obter dos ?rg?os do governo meios para intimidar e punir os citricultores,
inclusive com a erradica??o dos pomares, o que ? inadmiss?vel, uma vez que todos
conhecemos o projeto da ind?stria de dominar a produ??o de laranjas pela
elimina??o dos citricultores independentes. Isto ? mais uma distor??o decorrente
da interfer?ncia da ind?stria na nossa cadeia produtiva. O Fundecitrus foi
criado em parceria pela Associtrus e a ind?stria de suco e o objetivo era
fornecer fundos para que os ?rg?os do governo fizessem o combate ao cancro
c?trico. Com o passar do tempo, a ind?stria foi tomando conta do Fundecitrus e
alterando seus objetivos. A Associtrus- que transferiu os recursos que at? ent?o
eram a ela destinados para o fundo- enfraqueceu-se e foi alijada do conselho da
institui??o. Sem a fiscaliza??o dos produtores, a ind?stria deixou de contribuir
da forma prevista no estatuto, passou a investir em pesquisas das quais utiliza
os resultados de maneira privilegiada, utilizou o fundo de forma pol?tica.
6) Qual a opini?o da Associtrus quanto ao posicionamento do Fundo de Defesa da
Citricultura (Fundecitrus) em n?o mais realizar essas inspe?es e se dedicar
mais ? pesquisa no combate tanto do greening quanto das demais doen?as de
citros?
Cabe ao Minist?rio da Agricultura a defesa sanit?ria. E as pesquisas do
Fundecitrus devem ser transparentes desde sua contrata??o. Os contratos com
informa?es sobre o projeto, executor, prazos, valores e os relat?rios de
andamento dos projetos at? sua conclus?o dever?o ser publicados na internet.
7) Como est? o desenrolar da den?ncia de carteliza??o das ind?strias esmagadoras de
suco de laranja? A documenta??o aberta da Cutrale apresentou ind?cios sobre
esse? O que exatamente havia nesses documentos que tanto eram impedidos de serem
deslacrados? O governo federal e estadual est?o realizando alguma a??o contra
essa pr?tica?
O processo iniciado em 1999 ainda est? em investiga??o na SDE sob
segredo de justi?a e n?o temos acesso ?s informa?es. O empenho das ind?strias
em evitar a abertura dos documentos evidencia a import?ncia dos documentos
apreendidos. Os governos nada t?m feito para coibir a a??o do cartel. Os l?deres
do cartel continuam a ter tr?nsito livre junto aos mais altos escal?es das
nossas institui?es.
8) Sobre o depoimento de Dino Toffini, ex-fabricante de
suco de laranja, reacendeu de certa forma as den?ncias? Qual foi o parecer dele
sobre essa quest?o?
A import?ncia do depoimento do Dino Tofini ? medida pelo
fato dele ser um ex-participante do cartel, um r?u do processo, que confirmou
tudo o que temos divulgado sobre o caso.
9) A nova entidade que congrega as
ind?strias de suco de laranja no Pa?s, a Citrus BR, afirma veementemente que n?o
existe cartel e que os pre?os s?o formados em fun??o do pr?prio mercado. Como o
senhor v? este posicionamento?
Os r?us, pelas nossas leis, n?o s?o obrigados a
dizer a verdade nem produzir provas contra si. Os produtores continuam divididos
entre as empresas, os pre?os combinados s?o iguais para as tr?s empresas, todas
iniciam e encerram as compras simultaneamente, enfim todos os pontos acordados
no contrato de cartel de 1995 continuam a ser aplicados.
10) A Citrus BR tamb?m
questiona a legitimidade da Associtrus, como um ?rg?o representativo da classe
produtora de citros no Pa?s. O senhor j? notou isso no discurso da entidade?
Qual ? o posicionamento da Associtrus quanto a isso?
A CitrusBr ? formada pelos
departamentos jur?dicos das empresas. O trabalho da associa??o ? tentar
desqualificar e isolar a Associtrus, mas eles sabem que sem a participa??o da
Associtrus n?o h? possibilidade de avan?o em nenhuma negocia??o. Nas negocia?es
que ocorrem no momento na Secretaria da Agricultura cogitou-se tentar uma
negocia??o sem a participa??o da Associtrus, por?m concluiu-se que sem ela
nenhum acordo teria legitimidade. A Associtrus presidiu a C?mara Setorial da
Citricultura do MAPA por quase seis anos e representa a citricultura em diversos
?rg?os como o COSAG e o DEAGRO da FIESP e eu fui diretor de citricultura da SRB.
11) O ano de 2009 foi um dos piores per?odos para o citricultor, quais foram os
principais problemas enfrentados na citricultura?
Al?m de uma quebra na produ??o
a ind?stria atuou de forma truculenta n?o renovando contratos, deixando de
colher variedades precoces, e pagando um dos mais baixos pre?os da hist?ria da
citricultura.
12) Quanto ao endividamento do setor, como est? esta rela??o
atualmente? Essa d?vida da citricultura paulista est? em quanto? Que mecanismos
de cr?dito foram criados para amenizar a d?vida dos produtores? Isso est?
funcionando, ou seja, os produtores est?o tendo acesso f?cil a isso?
A maioria
dos citricultores depois de vinte anos sob o jugo do cartel, sempre esperando
uma mudan?a no cen?rio e impedidos de abandonar a atividade uma vez que seus
pomares s?o garantias dadas aos ?rg?os financiadores da atividade, est?o
enormemente endividados e muitos tem pomares que se tornaram improdutivos por
falta de recursos para mant?-los e renov?-los. Os citricultores est?o tendo
dificuldades crescentes para rolar as d?vidas e muitos est?o entrando em
processo de fal?ncia. ? digno de nota o fato de que o Tribunal de Justi?a de S?o
Paulo, numa decis?o in?dita, concedeu a recupera??o judicial para um citricultor
de Jales,SP.
13) O senhor durante a Agrishow deste ano, em Ribeir?o Preto (SP),
tra?ou um panorama dif?cil para os produtores. Na realidade, como est? o
citricultor brasileiro?
O citricultor brasileiro est? endividado, acuado, mas
disposto a enfrentar as vicissitudes e recuperar os preju?zos causados pelo
cartel.
14) Em rela??o ao novo ano safra 2010/2011, como est? a citricultura do
Pa?s? A atividade voltou a remunerar? H? ind?cios de melhores pre?os? O que deve
mudar nas condi?es de empresas e ind?strias e produtores para este ano?
Os
fundamentos s?o positivos. As grandes empresas de refrigerantes, verificando que
seus produtos carbonatados, que n?o trazem nenhum benef?cio para a sa?de, v?o
enfrentar cada vez mais problemas de aceita??o, t?m investido enormemente na
aquisi??o de empresas engarrafadoras de sucos em todo o mundo. Estas empresas
voltadas ao marketing v?o incrementar a divulga??o dos sucos e ampliar o seu
mercado. Na nossa cadeia produtiva h? margens suficientes para remunerar todos
seus elos. O problema ser? sempre o de assegurar ao produtor rural uma
participa??o justa neste mercado.
15) Diante de tantos problemas, h? uma
dificuldade de juntar a classe produtora?
Sim. H? um problema cultural no
Brasil, os agricultores n?o entendem a import?ncia do associativismo, da
organiza??o e da atua??o pol?tica. Por esse motivo, a agropecu?ria n?o ocupa o
espa?o correspondente ? sua import?ncia econ?mica para o pa?s. O que vemos s?o
os agricultores perdendo espa?o e a terra sofrendo um processo de
desnacionaliza??o que vai provocar terr?veis problemas para o pa?s que tem tudo
para se transformar no celeiro do mundo. Se n?o houver uma mudan?a radical na
pol?tica agr?cola, o celeiro estar? nas m?os de multinacionais e a n?s caber?
voltar ao papel de colonos que nossos antepassados tanto lutaram para superar.
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